RIS-co imediato, mas derradeira oportunidade
A Retail Investment Strategy obriga a modificações, nomeadamente a realização de atividades que extravasam em muito o âmbito de atuação das áreas de compliance, risco ou IT das instituições financeiras. Mas será isso 100% prejudicial para a indústria ou há oportunidades que se devem considerar?
A Diretiva RIS (Retail Investment Strategy), proposta pela Comissão Europeia (CE), já se encontra em discussão na Comissão dos Assuntos Económicos e Monetários do Parlamento Europeu, bem como no Conselho da Europa, passos críticos até à aprovação. Mas tem despertado reações iniciais muito diversas: as descrentes, na esperança da proposta da CE sofrer alterações profundas até à versão final; as calmas, fundamentadas no facto da entrada em vigor ocorrer num prazo sempre superior a dois anos; as iludidas, que julgam que este é (mais) um tema regulatório que se resolverá com abordagens similares às muitas adaptações que a indústria teve que realizar no passado; e as otimistas, focadas na decisão da CE em não propor desde já o fim absoluto dos incentivos à distribuição.
No entanto, convém lembrar que não se trata de um documento publicado para consulta pública, uma vez que sucede a um longo processo de auscultação dos representantes da indústria; que o seu texto indica explicitamente que esta é a recomendação atual, sem prejuízo de se avançar posteriormente para medidas reforçadas, incluindo a proibição tout court dos incentivos à distribuição; que o tema obriga, sem qualquer dúvida, a realizar novas atividades que extravasam em muito o âmbito de atuação das áreas de compliance, risco ou IT das instituições financeiras.
O fim dos investimentos sem advisory
Numa frase, o impacto fundamental do RIS pode ser sintetizado da seguinte forma: a obrigação de prestar aconselhamento aos clientes por todos os players que queiram monetizar a atividade de distribuição de produtos de investimento através de incentivos dos produtores. Este é o aspeto fundamental, precedente a todos as outras complicações e exigências, designadamente, ao nível do produto e preço.
[As caraterísticas dos novos requisitos e o seu impacto – desde as regras de elegibilidade de produto ao reporting, práticas de marketing e comunicação – são abordadas numa série de artigos dedicados ao RIS, publicadas AESE Insight #108 e que pode consultar aqui.]
Em primeiro lugar, devido ao posicionamento universalista em outros eixos de produto bancário, é natural que alguns distribuidores com oferta incipiente de soluções de investimento, vejam a obrigatoriedade de prestar aconselhamento aos clientes como um entrave definitivo para esse negócio.
No sentido oposto, instituições cujo modelo nuclear de receitas tenha uma componente relevante das comissões de fornecedores de produtos de investimento – eg. os supermercados de fundos – serão muito impactadas pela RIS. Nestes casos, abandonar a oferta de soluções de investimento representaria questionar a sua própria razão de existência, pelo que o advisory torna-se uma atividade mandatória.
Em segundo lugar, tentar fazer a compensação das perdas potenciais através de outras comissões (eg. de custódia e settlement) parece ser tão difícil quanto cobrar pelo aconselhamento puro sobretudo em mercados como o português. Com maior probabilidade de sucesso, poderão ser configuradas ofertas populares e simplificadas de gestão discricionária, com baixo preço, destinadas aos segmentos menos tradicionais, tais como o mass e o affluent.
Em qualquer caso, a atividade de aconselhamento será um cost-of-doing business, que requer a maior otimização possível. É neste sentido de industrialização do processo – no entendimento dos objetivos e no aconselhamento personalizado dos clientes – que a tecnologia desempenhará o papel fundamental, confirmado em mercados com condicionantes similares (já hoje existentes), como o Reino Unido. Será muito interessante, por exemplo, assistir a uma segunda vida de iniciativas de robot-advisory, sem sucesso em Portugal, normalmente com a justificação de que os clientes não estão preparados para uma decisão digital e impessoal sobre as suas poupanças. Na verdade, a indústria terá de reforçar as suas capacidades para ensaiar estas e outras soluções (eg. experiências híbridas em momentos-chave), com resultado no comportamento dos aforradores que, mais do que conservadores ou iletrados, têm dificuldades no acesso às alternativas.
Em terceiro lugar, com a introdução da RIS, a oferta subjacente de produtos de investimentos, para poder ser distribuída a clientes de retalho, necessitará tornar-se efetivamente competitiva face a benchmarks de mercado, ou seja, apresentar value for money mensurável.
Neste ponto passamos à responsabilidade do produtor. Mas no contexto português a questão dilui-se, uma vez que os mais importantes asset managers estão integrados em grupos bancários, com o mesmo decisor estratégico. Com um tecido relativamente frágil, em termos de volume, performance e inovação, os produtores nacionais poderão observar uma dolorosa transição para mecanismos light de gestão de investimentos, por exemplo orientados para a gestão passiva, que podem ser assegurados do lado do distribuidor com recursos mais limitados.
A exceção a esta dinâmica poderá estar nas seguradoras, pela especificidade e vantagem fiscal dos seus produtos e, nomeadamente, nas seguradoras independentes, que são, de facto, organizações com decisão autónoma. Mas não são imunes à necessidade de repensar a oferta e, com probabilidade, implicará o redesenho e implementação de uma política de canais variada, que reduza a dependência do canal bancassurance, num país em que mais de 80% da distribuição de produtos de investimento é efetuada através do canal bancário.
Defesa face a novos disruptores
Não sendo evidente que produza os efeitos desejados no comportamento dos consumidores, é inegável que a RIS terá impactos cumulativos e de retroalimentação nas fases de produção e distribuição financeira, através da quebra potencial de receitas e, em simultâneo, da necessidade de investimentos relevantes na adaptação e do aumento de custos operacionais, por exemplo, com quadros com novas competências técnicas.
Numa perspetiva regional, para fazer face aos desafios de capacitação e de aumento de competitividade, a par da resistência à pressão sobre preços, será expectável a intensificação de movimentos internacionais de consolidação, nomeadamente ao nível dos produtores.
Se algo de positivo se pode retirar da adaptação às imposições da Diretiva, é que esta irá criar elementos que podem constituir uma linha de defesa face a novos competidores de base digital. Nalguns aspetos, o que a CE exige neste momento é um conjunto de capacidades, sobretudo de conhecimento do cliente e de adaptação da oferta às suas necessidades, que os gigantes tecnológicos têm há muito integrados nos seus vários modelos de negócio. Sendo um facto que a marca de confiança para as decisões financeiras é relevante, mesmo em outros setores sensíveis (eg. saúde) esse aspeto foi insuficiente para impedir a entrada desses novos players.
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