Parece frase de filme de animação e em parte é, mas também é o conceito em que assenta a visão dominante no mercado das tecnológicas de Silicon Valley e de outros ecossistemas de empreendedorismo mundiais onde se inclui Portugal, crescer, crescer, até ao infinito e mais além.
Com o sonho de se transformarem num lindo unicórnio, novamente uma frase retirada de um filme de animação, milhões de empresas nascem e morrem em todo o mundo, seguindo a mesma receita “disrupção de mercado, angariar o máximo capital possível, crescer (investir) o mais rápido possível para liderar o mercado”.
Publicado na edição de março/abril de 2020 da Harvard Business Review (HBR), o artigo Beyond Silicon Valley, do professor Alex Lazarow, aborda uma visão alternativa a esta filosofia de investimentos elevados e crescimento rápido. Numa volta ao mundo por várias startups de sucesso, fora dos maiores hubs do empreendedorismo, muitas em países em desenvolvimento, o professor Lazarow identifica três dimensões que permitem a estas empresas fazer face aos seus desafios de sobrevivência e sustentabilidade, nomeadamente:
- abordagem balanceada do crescimento;
- soluções para a resolução de problemas reais;
- e investimento em equipas a longo prazo.
Numa abordagem balanceada do crescimento, o cuidado com os investimentos aumenta e são menos frequentes estratégias de aquisição de clientes baseadas em ofertas e produtos freemium, com reduzidas taxas de conversão para clientes pagos e muito dependentes de investimento elevado e recorrente para alcançar uma escala sustentável. Os modelos de negócio assentam em serviços que os clientes valorizam, soluções para a resolução de problemas reais, sendo natural que os clientes paguem o valor do produto ou serviço e que caso não tenham capital suficiente, se desenvolvam soluções para financiar a compra. Os empreendedores têm uma filosofia de gestão e compromisso com a empresa de médio e longo prazo que se traduz num investimento em equipas a longo prazo. O foco é crescimento e rentabilidade, por contraponto da filosofia de vida ou morte do modelo de crescimento rápido de conquista do mercado. E novamente é a escassez de recursos o motor, que leva estas startups de sucesso a recrutar globalmente, investir na formação das suas equipas e a promover estratégias de retenção de talento.
Mas então e os unicórnios?
O título do artigo online publicado em outubro de 2020 no site da HBR pelo professor Lazarow é bastante claro: Startups, is time to think like Camels — Not Unicorns.
De forma simples, “os camelos sobrevivem em autonomia por longos períodos, resistem a altas temperaturas e adaptam-se a variações extremas de clima.” e acrescento, ao contrário dos unicórnios, são reais.
Para além do crescimento balanceado e da perspectiva de longo prazo, a startup Camelo considera a diversificação no seu modelo de negócio, algo impensável na dialética do ecossistema atual das startups e da visão de disrupção e especialização num mínimo produto viável.
A justificação para esta diversificação vem da necessidade de escala e da escassez local de recursos e clientes. Para sobreviver, têm de entrar em novos mercados, num esforço de aprendizagem e adaptação constante. Desenvolver estruturas próprias de suporte, dando origem a um ecossistema auto-sustentável de produtos e serviços, ou seja, novas empresas. Claro está que o equilíbrio entre a especialização e diversificação é fundamental para que não existam demasiadas frentes, desfoque e destruição de valor, mas para isso está lá o empreendedor ou para este modelo será melhor chamar-lhe empresário?
Concordando com o professor Lazarow, construir uma empresa é um empreendimento de longo prazo, não interessa quem chega primeiro ao mercado mas quem sobrevive por mais tempo.
Estaremos a promover a criação de startups camelo em Portugal?
Fica o convite para a reflexão e para a leitura dos dois artigos.
E/ou em alternativa:
- ouvir a entrevista de Abril/2020 no podcast da HBR How entrepreneurs succeed outside silicon valley
- comprar o livro Out-Innovate: How Global Entrepreneurs–from Delhi to Detroit–Are Rewriting the Rules of Silicon Valley
Outros artigos da edição de 18 de março do AESE insight
Reimagining the Platform Economy
Mariana Mazzucato, Professor in the Economics of Innovation and Public Value at University College London (UCL)