Manuel Rodrigues
Lecturer Financial Management Education King’s College London e Conferencista da AESE Business School
Aproximamo-nos do final de mais um ano atípico. Nos últimos 36 meses enfrentámos múltiplas vagas de uma pandemia que foi responsável pela maior contração do PIB da economia global que há memória. À boleia de um cocktail de estímulos monetários e económicos sem paralelo, assistimos a uma recuperação tão vigorosa que deixou o mundo na vertigem de uma inflação crescente. Graças a políticas coordenadas entre Bancos Centrais, Instituições Multilaterais e Governos foi possível num curto espaço de tempo repor o Produto Interno Bruto (PIB) global perdido na pandemia e colocar a economia mundial a crescer 6 por cento em 2021. Esta vaga de forte crescimento na esteira de um período de quase inatividade económica deixou as cadeias logísticas em rutura e elevou a inflação global para máximos de 40 anos. A taxa de inflação homóloga em fevereiro de 2022 acelerou para 7,9% (1) nos EUA e 5,8% (2) na UE – numa trajetória ascendente de 12 meses consecutivos. Ao longo de 2022 a inflação manteve-se elevada atingindo em setembro o patamar de 8.2% nos EUA e 9.9% na Área Euro, para a qual contribuiu o agravamento do contexto geopolítico.
Em 2022 e para conter a inflação, a generalidade dos bancos centrais nas várias regiões do globo avançaram com uma subida da taxa de juro diretora. Diversos países emergentes (que têm sido fustigados por décadas de inflação persistente) não hesitaram em avançar com uma subida enfática da taxa diretora. Veja-se o caso do Brasil: O Banco Central do Brasil subiu a taxa diretora Selic para 13,75% para dar resposta a uma inflação de 7% e afirmou no seu último comité de política monetária que poderá ajustar ainda mais a política monetária “caso o processo de desinflação não ocorra como esperado”.
Já as economias avançadas, com níveis de endividamento mais elevados, têm apostado num plano de mitigação da inflação mais gradual. Os Estados Unidos, hoje com uma inflação em torno de 8%, preveem chegar ao final do ano com uma taxa de juro diretora em torno dos 4%. Como resultado da subida da taxa diretora, a generalidade das famílias e das empresas começam a assistir a um aumento substancial dos encargos com o serviço da dívida que se traduz numa erosão do seu rendimento disponível. Conter a inflação nas economias desenvolvidas será uma tarefa exigente dado que, em resultado da elevada inflação, a generalidade das economias avançadas continua a financiar-se a taxas de juro reais negativas (3).
Há, contudo, algumas notícias mais favoráveis no horizonte – a recente redução expressiva do preço das matérias-primas e da alimentação (apenas verificada ainda no mercado grossista) antecipa alguns sinais de abrandamento da inflação. Desde o início do ano a cotação em dólares do cobre, da prata, do alumínio reduziu cerca de 20% – tendo esta redução sido menos expressiva na área Euro, em resultado da forte desvalorização do euro face ao dólar. Também o índice dos custos de matérias-primas alimentares publicado pelas Nações Unidas cai há 6 meses consecutivos. Este índice alimentar acumula já uma queda de 20% desde o início do conflito entre a Rússia e a Ucrânia e está a um patamar inferior ao final de dezembro de 2021. Para que a União Europeia possa mitigar de forma eficaz a inflação, é central continuar a desenvolver à imagem dos Estados Unidos um plano para reduzir a inflação. O «Inflation Reduction Act” aprovado pelo Congresso norte-americano no final de 2021 apresenta um conjunto de incentivos orientado em 5 eixos – descarbonização da economia, mobilidade, promover tecnologias limpas, investimento na produção de energia doméstica, reforço da segurança energética, apoios à indústria e reforço da segurança alimentar. Os últimos anos mostraram bem a importância de a União Europeia garantir que a médio prazo alcança níveis de autonomia alimentar e energética, ao mesmo tempo que promove o encurtamento das cadeias logísticas. É também essencial que a União Europeia se possa preparar para dar resposta a esta e às próximas crises, criando um instrumento preventivo de resposta conjunta aos principais riscos globais que, desde 2005, têm sido assinalados no Relatório de Riscos Globais publicado pelo Fórum Economico Mundial (4).
O ano de 2023 traz novos desafios e põe à prova a nossa capacidade coletiva de reinventarmos soluções para enfrentar uma crise energética e inflacionista que pode ter contornos parecidos à crise energética da década de 70. Ao contrário da pandemia e de um vírus desconhecido, desta vez os desafios que enfrentamos e as soluções para os ultrapassar são amplamente conhecidos. Compete-nos continuar a implementar uma resposta multilateral coordenada para que possamos ancorar as expectativas de inflação e preservar o crescimento económico.
NOTAS
- Taxa variação homóloga Inflação CPI, Fevereiro 2022, The US Bureau of Labor Statistics
- Taxa de inflação anual da Zona Euro, EuroStat
- Taxa de juro real = taxa de juro nominal – inflação (Fonte ECB) Nota: No segundo semestre de 2022 a taxa de juro real em várias economias avançadas tem sido negativa (dado que a inflação é superior à taxa de juro nominal dos três sectores institucionais – famílias, empresas não financeiras, e Estado).
- Global Risk Report, 17a edição, publicado em Janeiro de 2022 pelo World Economic Outlook.
Publicado na Revista da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas a 4/11/2022.
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Photo: Michal Fludra/NurPhoto via Getty Image