Todos concordaremos que os Serviços Públicos são cruciais para o bem-estar da sociedade e para a promoção da justiça social. Mas o consenso termina aí, já que a definição de quais devem ser os Serviços Públicos, como devem ser prestados e como deve ser avaliado o seu sucesso sempre gerou opiniões distintas, algumas das quais até opostas entre si. Todas estas questões, a definição, prestação e avaliação, são relevantes para uma política de serviços públicos, não apenas pelo debate em si mesmo, mas sobretudo porque delas derivam as grandes opções e os desafios do orçamento do estado e, também, da própria política fiscal.
Quanto à definição dos Serviços Públicos, uma primeira aproximação remete para os chamados direitos humanos (liberdade, justiça, trabalho, saúde, educação, etc.) que têm a sua raiz na consideração da dignidade de cada pessoa. Uma segunda aproximação, também fundamentada na igual dignidade de todas as pessoas, tem como princípio o bem comum. Aqui podem surgir serviços públicos como sejam, entre outros, a energia, as comunicações e os transportes. A decisão de considerar um serviço como serviço público, tendencialmente acessível a todos, deveria representar sempre uma opção determinante para a melhoria da qualidade de vida de cada um e um contributo para a justiça social, mas sobretudo reflete o que consideramos, enquanto sociedade, serem as condições necessárias ao desenvolvimento integral e bem-estar de cada um. Por isso, a sua definição deve ser entendida com responsabilidade e ajustada, por forma a incluir novos serviços ou desativar serviços que se tornaram obsoletos, deixaram de ser imprescindíveis ou necessitam de ser redefinidos.
Se a decisão sobre quais os serviços públicos cabe maioritariamente ao Estado, o maior debate surge sobre quem os presta. Há quem defenda que o Estado deve ser o único responsável pela sua prestação, numa visão assistencialista ou hegemónica do papel do Estado. É uma grande tentação, mas, na maioria das vezes, é um erro. É certo que o Estado deve acautelar a justiça social e a igualdade de oportunidades, no entanto, é também claro que o excesso de intervenção governamental, múltiplos estudos o comprovam (ex. Banco Mundial – Benchmarking Public Procurement 2017-2018), leva, na maioria das vezes, à burocracia, à ineficiência e à estagnação social. Muitas vezes resulta na apatia social e no esmorecimento da criatividade e iniciativa empreendedora. Pelo contrário, a sociedade civil e o setor privado devem, e podem, desempenhar o papel fundamental neste processo. E por várias razões.
Único e irrepetível na sua individualidade, toda a pessoa é também, na sua essência, um ser social, ou seja, um ser aberto à relação com os outros. É este conviver social interligando pessoas, famílias, e comunidades que origina e dá forma à sociedade em si mesma, concretizada nas suas estruturas políticas, económicas, jurídicas, culturais, entre outras. Todas estas estruturas devem orientar-se à prossecução do bem comum contando, para tal, com a contribuição responsável de todos. As iniciativas e atividades da sociedade civil, criando espaços para a presença ativa e solidária de cada um, constituem as modalidades mais adequadas para, desde logo, desenvolver a dimensão social de cada pessoa nela envolvida como para encontrar soluções mais criativas e humanas dada a proximidade que têm com as situações em concreto (ex. Harvard University – Charter Schools and the Achievement Gap 2019). É o princípio da subsidiariedade.
Além disso, de acordo com os citados e outros estudos (ex. OCDE – Competition Policy in the Procurement of Public Works 2019), a verdade é que muitas vezes, a iniciativa privada é mais eficiente e eficaz do que o Estado na prestação de serviços públicos. A atuação do setor privado traz mais agilidade e dinamismo, além de incentivar a concorrência, que, de forma saudável, traz diversidade e inovação. E todas estas são forças que comprovadamente impulsionam a economia, gerando emprego e riqueza para a sociedade. Pensemos no caso da educação, a diversidade curricular, mesmo que conforme a tronco comum, oferecida por escolas com diferentes projetos pedagógicos, gera uma maior riqueza de talento distintivo e, não menos importante, devolve aos pais uma maior liberdade e responsabilidade nas opções educativas em relação aos seus filhos. Uma vez mais, a materialização do princípio da subsidiariedade.
As empresas têm, muitas vezes, recursos e capacidades que o Estado não tem ou que tem dificuldade em mobilizar de forma eficiente. Mas só o Estado tem a possibilidade de congregar avultados investimentos necessários para desafios como a pandemia, a crise climática ou a desigualdade social. Todos temos presente que nos anos de pandemia, a cooperação entre instituições do setor privado e o Estado foi chave para encontrar uma forma de vacinação segura, eficiente e rápida para a Covid-19.
Assim ao Estado, para além de atuar sempre pontual e subsidiariamente na prestação de serviços públicos, caberá um papel crucial e próprio mais semelhante a uma venture capital, solicitando, apoiando, avaliando e escalando estratégias inovadoras para resolver os grandes problemas sociais. Cabe-lhe também monitorizar os serviços públicos de forma a garantir a igualdade de acesso para todos, a qualidade dos serviços prestados e que os mesmos são realizados com verdadeiro sentido de serviço ao público.
Mas como é que avaliamos o sucesso e a qualidade dos serviços públicos? Essa questão é muito mais complicada do que parece. Detenhamo-nos num exemplo: se os comboios circulam a horas, a qualidade destes é boa. Contudo, realmente não é apenas a pontualidade que esperamos dos comboios. Esperamos também que sejam seguros e razoavelmente confortáveis; não apenas que sejam pontuais, mas circulem nos horários mais adequados e a intervalos razoáveis e, ainda, que sejam acessíveis. À medida que a lista de critérios aumenta, torna-se evidente que o componente mais fácil de medir, a pontualidade, é apenas uma das muitas características desejáveis, e não necessariamente a mais significativa. Ou seja, na tentativa de objetivar indicadores de desempenho talvez se perca a visão mais abrangente do serviço público.
Estabelecer algumas metas objetivas para os serviços públicos faz todo o sentido, mas é bom que seja complementado não apenas com a visão do Estado, mas com a visão humana dos mais afetados. É por isso que os conselhos de pais nas escolas, ou os comités de utentes dos transportes públicos, ou os conselhos de doentes nos hospitais são fundamentais. Podem parecer desnecessários ou até um incómodo, mas na verdade fornecem um controlo inestimável e contribuem para melhorar a eficiência e a humanização dos serviços prestados.
Concluindo, a prestação de serviços públicos por famílias ou entidades privadas, onde se incluem as empresas, mas também ONGs e outro tipo de associações, traz benefícios significativos para a economia e para a sociedade. Além de contribuir para uma maior eficiência económica, ajuda a promover uma sociedade mais democrática, contando com a participação de todos e com a iniciativa de cada um. Resulta da capacidade de promover níveis articulados de participação popular articulada com um esforço tenaz, sustentável e compartilhado para a promoção da justiça social, numa ótica de genuína solidariedade, que empenhe estado, instituições, famílias e todos a viver e, sobretudo, a agir uns pelos outros.
Não posso deixar de partilhar mais duas reflexões. Encontro-me no IESE, em New York, acompanhando as turmas PADE deste ano letivo. Depois de um dia a adentrarmo-nos na IA e no Metaverso e no que pode trazer de revolucionário aos modelos de serviço e de decisão, tento entrever os Serviços Públicos do futuro. Reflito também sobre a responsabilidade das Business School, em concreto da AESE de preparar líderes empreendedores, íntegros, com espírito de serviço, criadores de iniciativas que geram valor para a sociedade de forma positiva e sustentável e, alguns deles, fazerem do serviço público a sua missão.
Publicado no Jornal de Negócios >>