AESE insight #91 > Thinking ahead
Saúde em Portugal – Uma ideia que gostaria de ver implementada no sector, nos próximos anos, a nível nacional
Cátia Sá Guerreiro
Professora de Fator Humano na Organização, Diretora Programa de Gestão das Organizações Sociais | GOS e do OSA | Líderes no Feminino
Preambulo
Há umas semanas recebi um contacto inesperado de uma jornalista, desafiando-me a participar numa iniciativa conjunta do Jornal Expresso e da Sanofi, pela qual 50 mulheres portuguesas foram convidadas a responder a uma pergunta: que ideia gostaria de ver implementada no sector da saúde, nos próximos anos, a nível nacional? Naturalmente honrada com o convite e francamente interessada no tema (sim, porque a saúde é o meu ponto de partida e de chegada na vida profissional), vieram-me de imediato à mente tantas ideias quantas mulheres desafiadas para o tema. Decidi colocar a questão a colegas e amigos e juntei as suas ideias às minhas – desde temas de ordem politico-estratégica a assuntos mais técnicos/operacionais, de orçamento a processos, passando pelas urgências e consultas, pelos tempos de espera, pela transformação digital… tantas e boas ideias! Mas eu só poderia falar de uma… e acabei decidindo. Feliz com a decisão, dei a entrevista.
Passados uns dias, um amigo também da área da saúde, via redes sociais, disse-me: “parabéns pelo contributo!”. Já estava publicado e eu não vira a peça antes da publicação… fui ver… aconteceu, segundo este amigo, o que acontece sempre: a escolha que os jornalistas fazem dos excertos do (tanto) que dizemos parece ficar aquém do que fora dito… que vazio!
Decidi fazer justiça ao tema e trazer aqui hoje a resposta à referida questão.
Eu gostaria que nos próximos anos fosse feita em Portugal, no setor da saúde, uma franca aposta na Humanização.
Humanização da Saúde
Consultando um dicionário comum de língua portuguesa, verificamos que Humanizar é sinónimo de tornar humano, dar ou ganhar atributos humanos; passando também por tornar compreensivo, bondoso, sociável. Olhemos agora para a Saúde e aqui gostaria de sublinhar que me refiro à entidade que é a Saúde, ou seja, a um conjunto de pessoas que serve outras pessoas, numa sociedade de pessoas em que o foco que as une é a prestação de cuidados de saúde nos seus diversos níveis. Podemos dizer, sem grande aprofundamento do tema, que a pessoa é o conjunto do individuo e das relações interpessoais e contextuais que estabelece. As pessoas representam no Sistema de Saúde diferentes papeis: utentes, os beneficiários diretos; profissionais de saúde, os cuidadores formais; as famílias e os amigos, cuidadores informais; fornecedores, prestadores de serviços, outros stakeholders.
Assim sendo, juntando os dois termos, a minha proposta vai no sentido de apostar na dimensão humana da saúde, nas pessoas, por reconhecer que elas são o ponto de partida e de chegada de todas as operações em saúde – tornar humanos todos os processos desenvolvidos em, por e com entidades de saúde com o foco nas pessoas que as constituem e nelas interagem.
Humanizar a Saúde significa humanizar cada um destes papeis nas suas interações. E o que é próprio do humano senão o cuidar? Humanizar significará então ser capaz de captar as necessidades da pessoa, de empatizar com ela, de a entender no seu contexto e na sua individualidade, de atuar resolvendo ou minimizando as suas vulnerabilidades. Que pessoa? Todas aquelas que referi há poucas linhas.
Ora para isto não basta ter bom coração! Não basta ser bondoso ou simpático, afável ou paciente. Para isto não basta também que nos seja atribuído o papel que temos (não é porque sou profissional de saúde que o sou em exercício de princípios de humanização dos cuidados que presto). É preciso mais… A humanização exige conhecimento, estratégia, planeamento, avaliação, investimento.
E então, como humanizar a saúde? Note-se que falo em saúde e não em cuidados de saúde. Numa primeira instância pensamos de imediato em tornar humanos os processos de interação e relação com os utentes (beneficiários diretos) e também as suas famílias. É assim que aprendemos nos cursos que tiramos: empatizar com o doente, ser capaz de o escutar, de o entender, de lhe prestar os cuidados de que necessita que nem sempre são os que pede. Respeitar a sua autonomia, cuidar a comunicação verbal e não verbal, respeitar a dignidade e singularidade de cada um. Ir mais longe e garantir a continuidade dos cuidados de saúde, facilitar o acesso, facultar adequadas condições de atendimento. Será isso, é já é tanto, mas não é apenas disto que falo ao referir humanizar a saúde. Num processo de humanização da saúde deve apostar-se em humanizar também a interação e relação com as outras pessoas anteriormente referidas e que não são beneficiários diretos da prestação de cuidados de saúde. Os profissionais de saúde. Como são tratados? Com que dignidade? Que condições de trabalho têm? Que retorno lhes é dado? E continuemos neste racional. Cuidar dos gestores em saúde, dos fornecedores, dos restantes stakeholders. Cuidar dos beneficiários indiretos dos cuidados que prestamos. Tanto para fazer!
De forma sistematizada, a proposta é que a humanização seja pensada a três níveis – na relação direta com a pessoa, nos aspetos estruturais das entidades do setor da saúde e nas suas dinâmicas organizacionais. Assim sendo, o sistema de saúde que aposta na humanização cuida a pessoa: i) na relação direta que tem com ela; ii) nos aspetos estruturais das entidades onde se prestam cuidados de saúde (primários, secundários e terciários); iii) nos modelos de gestão que assume. Quer isto dizer que a proposta é um modelo centralizado na Pessoa, sendo esta não apenas o beneficiário direto dos cuidados de saúde, mas todo aquele que interage com e no sistema. Esta dinâmica impacta em todo o sistema e creio que tem potencial para o desenvolvimento do ingrediente fundamental para que o modelo seja sustentável: relações de confiança.
Ainda dois pontos para concluir.
Esta pespetiva de humanização da saúde deve ser começada a trabalhar desde os bancos da faculdade e de forma transversal às diversas profissões da saúde. Os currículos académicos deveriam integrar não apenas a humanização com o olhar posto no utente, mas contemplar the whole picture do sistema de saúde. Só este parágrafo, referente a currículos académicos nesta matéria, seria tema de outro artigo, pelo que fico por aqui. E o segundo ponto. Tantas vezes ouvimos dizer que a transformação digital distanciou as pessoas na saúde. O enfermeiro já mal olha para o utente pois está focado no monitor de um computador; o médico nem se levanta da secretária e faz as perguntas, escrevendo as respostas num teclado; são pedidos exames e os diagnósticos são feitos com base em relatórios e não no toque, no olho clínico. A digitalização trouxe distância e frieza, desumanizou. Não tem porque ser assim! Numa perspetiva de humanização da saúde, a transformação digital deve ser rentabilizada ao serviço do cuidar – porque existem mais recursos desta natureza, os profissionais podem alocar mais tempo à relação e interação com as pessoas (todas aquelas de que temos falado) e entre si. Mas isto educa-se, aprende-se… a liberdade na utilização das ferramentas digitais com foco na humanização, outro tema para outro artigo.
Em síntese
Humanizar a saúde implica o que disse há parágrafos: conhecimento, estratégia, planeamento, avaliação, investimento. Em primeira instância, implica a tomada de decisão de ir por este caminho, depois planeá-lo estrategicamente, seguido do desafio da implementação com tudo o que ele traz consigo. Foco nas pessoas, numa abordagem pessoal, institucional e de modelo de governo. O impacto será não apenas no fortalecimento da relação com a pessoa, mas do sistema. A não esquecer que somos, cada um de nós agentes e alvo de humanização.
Pode ler mais sobre a iniciativa conjunta do Jornal Expresso e da Sanofi >>
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