José Ramalho Fontes
Presidente da AESE Business School e Professor de Operações, Tecnologia e Inovação
Os ecossistemas empresariais (1) constituem um novo modelo de organização da atividade económica que se vem impondo como válido, à medida que justificam o bom funcionamento de alguns setores, assim como explicam os resultados insuficientes noutros. O Projeto CV3, Criar Valor na Vinha e no Vinho desenvolvido no respetivo cluster, pela AESE, e o estudo de três ecossistemas portugueses – calçado, saúde e cadeia agroalimentar – apoiam essa hipótese.
É felizmente consensual que o cluster do vinho é um setor económico forte em Portugal e que tem tido um grande desenvolvimento, produzindo generalizadamente bons vinhos em todas as suas 14 regiões vitivinícolas. A partir de uma extensa base tradicional, centrada nas CVR e Institutos públicos (caso do Douro e da Madeira), a sua estruturação recebeu um importante impulso, decorrente do Relatório Porter de 1992, com a constituição de uma instituição interprofissional, a ViniPortugal, em 1998, e pelo estudo específico que esta encomendou ao Monitor Group e que foi publicado, em 29 de maio de 2003, com o título Iniciativas para Acção no Sector dos Vinhos de Portugal.
Para muitos outros bons observadores, também é consensual a identificação de não menores potencialidades no setor. No final daquele projeto de investigação que a AESE desenvolveu desde 2019, na respetiva ‘vindima’, formalizei uma proposta para o potenciar considerando-o um ecossistema empresarial, conceito de James F. Moore proposto como modelo para a análise da economia e da sociologia, um conceito que tem ganho cada vez mais relevância à volta dos debates sobre sustentabilidade.
O produto da vinificação das uvas do Projeto CV3 foi engarrafado no livro Criar Mais Valor na Vinha e no Vinho(2), um livro com quatro partes, onde se constata a existência de um setor vibrante, com muitas pessoas altamente competentes, e se apresentam 16 casos de estudo de empresas, analisadas em profundidade, constituindo cerca de metade das suas páginas. Noutras duas partes apresentam-se três estudos de enquadramento, na parte A, e se abordam nove problemas concretos do ecossistema, na Parte C. Na Parte D, propõe-se a necessidade de aumentar a densidade das instituições regulamentares e das associações representando mais associados, isto é, hipoteticamente, em vez de 3 associações com 200 associados, seria muito melhor existir uma única associação com 600, e que possa formular propostas de ação com mais substância e maior ambição e exprima as suas opiniões com maior exigência.
O ecossistema do CV3
Este Projeto CV3, Criar Valor na Vinha, coloca em destaque a existência de muitas dezenas de enólogos formados por universidades e politécnicos, a trabalhar em muitos produtores, mesmo pequenos, que proporcionaram a elaboração de bons vinhos e conseguiram mitigar a variabilidade interanual da produção criando marcas, com consistência, bem-adaptadas a clientes e consumidores.
Não menos relevante foi a constatação da entrada nas empresas de muito gestores licenciados que, simplificadamente, acrescentaram mais razão à paixão e empenho de múltiplos proprietários, desenvolvendo uma gestão moderna e realizando investimentos significativos com recursos próprios, fundos europeus e, também, crédito bancário. Como consequência, as empresas modernizaram-se e o mercado foi inundado com uma plêiade de bons vinhos para todas as gamas. Como resposta, aumentou o consumo global e per capita (o mais alto do mundo), mesmo que potenciado pelo crescente turismo.
Três desafios na Vinha e no Vinho a equacionar como ecossistema
Conseguir uma maior colaboração é uma necessidade e, para isso, cada equipa de gestão há de questionar se a visão tradicional e egocêntrica — «Como é que a minha empresa pode criar mais valor?» — não poderá ser verbalizada assim: «Como podemos criar mais valor juntos?» E o livro apresenta dois casos em que isso se concretizou, em que se identificaram problemas e se encontraram soluções, os Lavradores de Feitoria, e os Douro Boys, uma associação informal que tem estado nas notícias nestas semanas.
Cada empresa deve analisar com mais atenção o que é que os clientes realmente desejam e precisam e o modelo dos ecossistemas ajuda-nos a estar focados no consumidor final. Como é que se celebram certos acontecimentos? Champanhe, cerveja, vinho do Porto? O que é que se bebe nos festivais? Qual o papel do BiB para o catering, para o consumo doméstico?
O engarrafamento no destino, uma tendência que se vem impondo de modo crescente para redução da pegada carbónica, é outro desafio para o ecossistema, assim como a gestão das exigências da Organização Mundial da Saúde (OMS), uma outra área em que todo o ecossistema da vinha e do vinho está envolvido e melhor poderá endereçar os difíceis problemas que se levantam.
Com a dinâmica atual muito positiva e a aprendizagem realizada à volta dos bons exemplos apresentados, entre outros, é de esperar que o ecossistema da Vinha e do Vinho ultrapasse, finalmente, o número de mil milhões de euros nas exportações com uma maior colaboração estruturada, entre pares, com um maior relacionamento com outros ecossistemas. Neste sentido, e em linha com movimentações atuais no cluster, será natural que dupliquem as atuais cinco empresas que vendem mais de 100 milhões de euros, como um novo sinal da preconizada maior densidade do setor.
Parece impossível resolver estes problemas? O novo presidente da CAP, Álvaro Mendonça e Moura, afirmou em recentíssima entrevista ao Sol (231027) algo que se pode aplicar totalmente no mundo da vitivinicultura: Agora há um ponto que não mudei e não tenciono mudar é na ambição que tive para o nosso país quando estive lá fora e nas funções que desempenhei. Essa ambição é a mesma que trago para a agricultura e para aquilo que Portugal deve pretender em termos agrícolas, até no seio da União Europeia. O meu ponto é ser exigente e ser muito ambicioso. (…) Na agricultura é a mesma coisa. Se formos ambiciosos, determinados e organizados podemos fazer uma mudança muito profunda na nossa agricultura.
(1) Ver o artigo anterior no AESE Insight sobre Ecossistemas
(2) Criar Valor na Vinha e no Vinho – Casos de um ecossistema competitivo, Conjuntura Actual Editora, José Ramalho Fontes e Fernando Bianchi de Aguiarr