Recordo, com agradecimento e algum remorso, as aulas do Professor Borges de Macedo na Universidade Católica. Agradecimento pelo privilégio de ter aprendido com um dos melhores historiadores portugueses, especialmente em tempos (1978) em que a UCP foi um oásis de calma no pandemónio da universidade portuguesa. Remorso por não ter prestado mais atenção às aulas.
Lembro-me concretamente da ideia de que ouro do Brasil, especialmente no século XVIII, foi tanto uma bênção como uma maldição. Por um lado, 0 rendimento dos portugueses cresceu para níveis sem precedente. Se fossem publicados rankings do PIB per capita por volta de 1750, Portugal estaria no topo ou muito próximo do topo.
Por outro lado, argumentava Borges de Macedo, esta injecção de dinheiro teve um efeito negativo no desenvolvimento da economia portuguesa. Note-se, por exemplo, que Portugal nunca teve uma revolução industrial como grande parte da Europa teve.
Um ano antes das aulas do Borges de Macedo, a revista “The Economist” tinha publicado um artigo sobre a Holanda, propondo a tese de que a descoberta de gás natural em 1959 levou ao declínio da indústria transformadora nos Países Baixos. Nasceu assim termo doença holandesa” (“Dutch disease”).
O termo “Dutch disease” era novo em 1977, mas a ideia já vinha de antes. Aliás, um termo mais apto seria a “maldição dos recursos”. E o exemplo da Holanda não é certamente único. Concretamente, o ouro do Brasil pode ser considerado como uma instância da maldição dos recursos.
Um recente artigo de Davis Kedrosky e Nuno Palma explora esta possibilidade. Cerca de 70% do ouro brasileiro foi canalizado para Portugal. Esta explosão de dinheiro levou-nos a gastar mais, principalmente em bens não transaccionáveis. Esta mudança no padrão da procura causou uma apreciação de 30% na taxa de câmbio real (entre 1650 e 1800), o que por sua vez facilitou as importações e criou uma grande barreira adicional aos sectores exportadores.Em resumo: o “.preço” do ouro do Brasil foi o entrave ao crescimento do sector produtivo exportador. Quando acabou ouro, Portugal não tinha nem ouro nem indústria.
Há algumas semanas, escrevi aqui sobre o “paradoxo” da economia portuguesa nas últimas décadas: apesar do investimento maciço em capital humano, a produtividade cresceu relativamente pouco. Uma chave para a interpretação deste paradoxo consiste na “maldição do turismo”, uma espécie de “Dutch disease” à portuguesa. As condições naturais (sol, praia, etc.), a relativa estabilidade e segurança, a proximidade da Europa e dos Estados Unidos, a população prestável e educada — tudo isto vale mais do que o ouro do Brasil.
No entanto, tal como a riqueza das colónias de outrora, a riqueza do continente de hoje implica um desvio nos padrões de investimento. É mais fácil, mais rápido e mais seguro investir num hotel ou num restaurante do que na criação de um emprego de alta produtividade. Acresce o facto de que muitos dos investimentos no sector do turismo correspondem não tanto a valor acrescentado “puro” como a um desvio da procura de outros operadores.
O turismo não é o único “culpado”. Os fundos europeus, o sector público (tanto administrativo como produtivo), a carreira política, a “explosão” da banca nos anos 80: estes são alguns dos acontecimentos da história recente que nos trouxeram tanto vantagens como desvantagens. É indiscutível que, desde os anos 80, foram criadas múltiplas novas oportunidades de carreira. No entanto, em muitos casos o valor adicional de mais uma pessoa no sector é baixo quando comparado com o que poderiam ter contribuído em sectores de maior produtividade.
Não quero com isto dizer que o crescimento da banca foi mau para Portugal (foi muito positivo) ou que devemos abandonar o turismo (um pilar crítico da economia portuguesa). Temos, isso sim, de seguir uma perspectiva de “equilíbrio geral”, uma perspectiva que considera explicitamente a maldição dos recursos.
Luís Cabral escreve de acordo com a antiga ortografia
Publicado no Expresso
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