No outro dia, encontrei-me com uma grande amiga, recém-avó de uma neta. Estava feliz e contou que as 5 gerações de mulheres da família (a mais velha com 102 anos e a mais nova com 2 dias) iriam juntar-se e tirar uma fotografia para o álbum familiar. Realmente merecia a fotografia por se tratar de um momento excecionalmente belo! E embora seja um episódio cada vez menos único, ainda assim, continua a ser raro.
Certamente ainda sob o efeito do feriado do 1º de maio, lembro-me de então ter pensado que nas empresas e instituições em geral também é comum conviverem 4 ou 5 gerações e que tal constitui, simultaneamente, um desafio e uma riqueza.
Por um lado, esta diversidade, sem precedentes, traz à organização uma gama muito relevante de competências e conhecimentos, perspetivas e experiências de vida que podem contribuir, entre outros, para a promoção da inovação e o aumento da produtividade. Alguns estudos apontam inclusivamente para um incremento significativo na criatividade e rapidez com que se encontram soluções, e para uma diminuição do número de erros, fruto da complementaridade de olhares. Por exemplo, enquanto uns se apoiam na agilidade tecnológica e mental, outros recorrem à experiência profissional e de vida para desenhar soluções igualmente inovadoras.
Mas, por outro lado, a gestão dessa mesma diversidade, por forma a que as várias gerações colaborem e trabalhem confortavelmente lado-a-lado, constitui ela própria um desafio. É um facto de que a convivência nem sempre é pacífica, chegando algumas vezes a criar-se um ambiente em que se sente uma certa tensão no ar. Diferentes gerações parecem motivar-se por diferentes fatores (dinheiro, realização profissional, causas, …), trabalhar e comunicar de forma diferente (uns sobretudo por mensagens curtas e vídeo, enquanto outros preferem uma comunicação face-a-face).
Este conceito, relativamente recente, das “gerações” pretende modelar o conjunto de pessoas nascidas num mesmo período, partindo do princípio de que, genericamente, são influenciadas por um mesmo tipo de educação, viveram num mesmo ambiente cultural e assistiram aos acontecimentos marcantes de uma dada época. E não anda longe da verdade. Desde que no início do século XX se democratizou o acesso à educação e se introduziu, anos mais tarde, o conceito de reforma, que a vida tendeu a compartimentar-se em 3 grandes estados. Na infância, brincávamos e íamos à escola. A formação poderia estender-se até à Universidade, mas sabíamos que o conhecimento adquirido seria aplicado nas seguintes 4 décadas de trabalho profissional. Até que, finalmente, chegaríamos à reforma com uma situação financeira confortável e segura. Pelo meio, muitos constituíam família, tinham filhos e acompanhavam-nos no seu crescimento. Era uma vida que, pode dizer-se, se desenrolava de modo ordenado e sequencial, sem grandes sobressaltos. Pelo meio, ficaram grandes guerras mundiais, crises económicas profundas, incríveis inovações tecnológicas (fomos à Lua!), mas a sucessão dos dias e da vida seguiu o seu ritmo inalterável.
Até que as transformações demográficas, especificamente a maior longevidade, e a transformação tecnológica vieram revolucionar a vida alterando a forma como a mesma se desenrolava. Não só, tendencialmente, vivemos mais tempo, como a velocidade com que a ciência e a tecnologia têm evoluído é de tal forma rápida e disruptiva, que o conhecimento aprendido se torna rapidamente obsoleto.
Mas a mesma tecnologia que nos descarta, também nos permite uma maior flexibilidade na formação e na vida profissional. Sem constrangimentos de idade, a convivência entre as gerações passará, cada vez mais, a ser um novo normal nas organizações. Por exemplo, na mesma sala de aula, é possível e cada vez mais comum encontrar alunos das mais variadas idades, que se juntam numa mesma formação.
E a mesma dinâmica, mais fluída e personalizada, se poderá também aplicar às famílias. A formação deixa de ser um exclusivo dos filhos: pais e avós podem (e devem) escolher ir realizando um trajeto de formação ao longo da vida. Também as pausas deixam de ser um exclusivo dos avós: os netos ou filhos podem decidir fazer uma pausa para reorientar a sua trajetória profissional, para ir viajar e conhecer outras culturas, para acompanhar o desenvolvimento da família, para realizar algum projeto comunitário ou, simplesmente, para desfrutar de tempo e viver experiências com que sonham. E, finalmente, o trabalho profissional deixa de ser um exclusivo dos pais e das mães: se já não existem trabalhos para a vida, há toda uma vida durante a qual se pode trabalhar e deixar obra.
E o mesmo acontecerá ainda nas empresas. Se hoje nos preocupamos em atrair e reter talento com as competências adequadas, uma maior população ativa permite uma visão radicalmente diferente do mundo do trabalho, integrando tecnologia, IA e automação, com as competências unicamente humanas que se podem encontrar ou desenvolver, transversalmente, em todas as gerações.
A conjugação destes dois fenómenos – a longevidade e a transformação tecnológica – leva pois à redefinição de toda a dinâmica da vida, com tudo o que isso tem de bom e de perverso.
É como se superássemos, de algum modo, a segmentação das gerações e nos transformássemos no que alguns autores chamam de “perennials” (mais além das gerações) porque se abre a possibilidade de que cada pessoa viva ao seu próprio ritmo, faça o seu próprio percurso vital, caminhando por algumas etapas de formação, outras de intenso trabalho profissional e outras simplesmente de pausa, voluntariado, de viagem ou outras experiências tão marcantes e transformadoras quanto as restantes fases. A forma como trabalhamos, quando e como adquirimos a nossa educação, com quem e quando decidimos passar a vida, com e quando temos filhos, como passamos os nossos tempos livres, tudo poderão ser escolhas muito mais pessoais, potencialmente, mais gratificantes.
O lado perverso de nos tornarmos “perennials” é viver a vida sem nos comprometermos, para que todas as escolhas, todas as opções permaneçam sempre em aberto. E, ao não nos comprometermos, acabamos por não viver a vida com a intensidade devida.
E que podemos então fazer para receber e aproveitar esta dádiva que é a possibilidade de uma vida mais longa?
- Ao vivermos mais tempo, em geral, teremos de trabalhar mais tempo para criar condições de sustentabilidade financeira, a longo-prazo.
- Aparecerão novas profissões e serão necessárias novas competências, pelo que nos caberá adquirir novos conhecimentos, explorar novos horizontes e novas formas de pensar, desenvolver competências relevantes e diferenciadoras profissionalmente.
- As transições entre fases da vida serão sempre momentos de maior complexidade e vulnerabilidade e, numa vida mais longa, é provável que se multipliquem e, nesse sentido, é crucial ganhar capacidade de adaptação, flexibilidade e serenidade na gestão destas situações.
- Manter-se em boa forma física, psíquica, social e espiritual; equilibrar o trabalho com outros âmbitos da vida; desenvolver e preservar relações de amizade fortes e duradouras; encontrar em cada momento, em cada fase, um sentido para a vida, uma causa maior a que se dedicar, uma razão de ser mais além de si mesmo, serão componentes essenciais para apreciar cada dia de vida.
- Pela multiplicidade de oportunidades que gera, uma vida mais longa significa também que as escolhas que se fazem e os compromissos que se assumem ao longo da vida sejam muito mais valiosos.
Este novo paradigma exige ainda, naturalmente, um novo enquadramento da sociedade e o redesenho dos sistemas de apoio social. Na realidade, a longevidade associada aos padrões de demografia, que se verificam nos diversos países, será o maior motor da mudança social, mais além da evolução tecnológica ou da globalização. Mais do que isso, será porventura a resposta a muitos problemas sociais e desigualdades criados por essas últimas. Se a soubermos aproveitar, será uma excelente oportunidade de construirmos um mundo mais humano e, sobretudo, mais inclusivo.
Artigo publicado no Jornal de Negócios >>