An article a day #18 - AESE Business School - Formação de Executivos

An article a day

An article a day

AESE insight > Thinking Ahead

An article a day #18

15 de abril 2020

José Ramalho Fontes

Presidente e Professor na área de Operações, Tecnologia e Inovação da AESE Business School

O ecossistema da Vinha e do Vinho estará preparado para esta realidade?

Entre os setores estratégicos da economia portuguesa encontram-se tanto os que se referem às start-up digitais, ao software e às empresas de setores industriais de ponta (automóvel, aviação, etc.), como os setores tradicionais que souberam atualizar-se, introduzir conhecimento e encarar a internacionalização como o seu desafio natural e imediato. Neste segundo grupo inserem-se o têxtil e vestuário, o calçado e a agricultura. 

O ecossistema da Vinha e Vinho hoje


Neste último setor, o ecossistema da Vinha e do Vinho, tem uma posição particular ligada ao Vinho do Porto, com uma reputação mundial alcançada ao longo de quase três séculos, mas também pelo seu peso, cerca de 1% do PIB, e pelo valor das suas exportações, cerca de 800 milhões €, e pela relevância que tem na ocupação do território, capacidade de responder ao desafio climático e valorização complementar do turismo. 


Contudo, nestas últimas duas décadas a Vinha e o Vinho (VeV) começou a apresentar um conjunto concreto de realizações e iniciativas que permitem aspirar a um forte crescimento das exportações, à consecução do valor de 1.000 milhões €, nos dois ou três próximos anos, segundo alguns observadores. 


A AESE, em parceria com a UTAD, Univ. Trás-os-Montes e Alto Douro, a PwC e várias instituições setoriais – INIAV, ADVID – nos últimos dois anos desenvolveu o Projeto CV3*. 


Uma visão global das empresas do setor


O setor da VeV inclui um pequeno conjunto de empresas tradicionais, fortes e multiregionais, maioritariamente ligadas ao Vinho do Porto que, no final do século passado, se organizaram, cresceram por aquisições e se profissionalizaram. A maior é a Sogrape (190 milhões €, de faturação), mas também inclui a Gran Cruz, Symington Family States e Fladgate Partenership, do Vinho do Porto, e o grupo Aliança / Bacalhoa empresas, com vendas acima dos 80 milhões €. E, em paralelo com as empresas de vinhos, o grupo Amorim faturando globalmente 600 milhões, com a produção de rolhas para vinho, representando cerca de 56 % do EBITDA. 


Numa segunda liga de faturações, um grupo mais numeroso e diversificado, também com marcas conhecidas, incluindo empresas como: Aveleda, Carmin, Casa Santos Lima, Casa Ermelinda Freitas, Casa Relvas, Esporão e Grupo Parras, Portugal Ramos e outras empresas do Vinho do Porto. Este grupo tem uma característica relevante que não sobressai comercialmente, porque inclui várias empresas do século XXI que alcançaram, nestas duas décadas, uma dimensão idêntica ou maior que as tradicionais, porque desenvolveram novos modelos de negócio, especializando-se em certas gamas de produtos que as tornaram mais competitivas. 


No Projeto CV3 algumas destas empresas foram objeto de estudos de caso, duas do século XXI – Casa Relvas e Grupo Parras – e a Aveleda, na 5.ª geração. Estas e outras podem apresentar crescimentos muito diferenciados e virem a desempenhar um papel importante no aparecimento de empresas muito maiores, como será também o caso da Casa Santos Lima e da Casa Ermelinda Freitas. 


Uma breve referência ao setor das tradicionais adegas Cooperativas que sofreu profundas alterações, nestas três décadas, em que muitas desapareceram ou reduziram as suas faturações. Pelo contrário, com faturações entre 10 e 25 milhões €, destacam-se entre outras, a de Pegões, várias do Alentejo (Borba, Redondo, Vidigueira, etc.), Vila Real etc. 


Num terceiro grupo, incluem-se centenas de empresas a vender abaixo de 5 milhões €, cerca de 77 % do total, que incluem algumas marcas premium junto com muitas outras de implantação local ou trabalhando fundamentalmente para a grande distribuição. 


Uma característica diferencial do ecossistema da VeV: do lado da oferta


Quando os mais velhos recordam o consumo do vinho até aos anos 70 lembrar-se-ão de vinho engarrafado de qualidade com as suas marcas – Barca Velha, Aliança, Caves Velhas, Caves de S. João, CRF, Dão Terras Altas, Aveleda, Constantino, Mateus, Grão Vasco, Grandjó, Evel e de algumas Adegas Cooperativas, por exemplo –, depois, o vinho de garrafão consumido em casa e, em terceiro plano, o consumido entre trabalhadores, operários e motoristas e servido na taberna. 


Pelo contrário, atualmente todo o vinho produzido é de qualidade e, muitas vezes, tem uma qualidade que não está espelhada no seu baixo preço, particularmente se comparado com outros vinhos internacionais. Como é que se alcançou esta mudança nas duas décadas do final do século XX e se desenvolveram estas novas empresas do século XXI? Simplificando, mas não faltando à verdade das coisas, do lado das empresas são três as principais razões que justificam esta qualidade generalizada que, em paralelo, gera uma grande concorrência no setor. 


Sem ter em atenção a sua ponderação comparativa uma primeira razão, inovadora no panorama da economia portuguesa, é a colaboração do setor universitário e científico com o tecido empresarial. As novas universidades, em sã competição com o Instituto Superior de Agronomia, Trás-os-Montes e Alto Douro e de Évora e as Escolas Superiores Agrárias (dos Institutos Politécnicos) nestas décadas foram oferecendo, às empresas existentes, enólogos e outros técnicos que puderam transformar o conhecimento tradicional, tácito, em conhecimento explícito e em bons produtos muitos deles blend, na boa tradição portuguesa, com características muito apelativas e variadas, e com eficiência e melhorando o processo comercial. 


Os programas europeus de financiamento à agricultura, pelo seu lado, introduziram no tecido do ecossistema da VeV o capital que era imprescindível para iniciar a reconstrução das vinhas e adquirir a tecnologia, por um lado, e atrair o investimento privado que estava hesitante, por outro. Pela sua dimensão é necessário destacar o Vitis, que se mantém ativo e tem permitido novas e modernas plantações, por exemplo no Alentejo, Tejo e Lisboa, e replantações sistemáticas como aconteceu no Douro e na região dos Vinhos Verdes e, em geral, em Portugal. 


Finalmente, estas contribuições não teriam sido eficazes se não existisse uma nova geração de dirigentes e gestores nas empresas tradicionais, maioritariamente familiares, que desenvolveram relações diretas com as grandes superfícies, exportações mais dirigidas e ponderadas e, sobretudo, sistemas de contabilidade financeira que tinham em atenção o robustecimento dos balanços, nos casos de maior sucesso. Também foram aparecendo novas empresas impulsionadas por empresários muito qualificados que começaram do zero ou relançaram empresas adormecidas, as tais empresas do século XXI, que vão protagonizar o esperado movimento de fusões e aquisições, que já está em curso de forma pontual: a Symington, saiu do Douro e comprou no Alentejo e o Esporão, Alentejo e Douro, comprou no Vinho Verde; a Casa Ermelinda, Setúbal, comprou no Douro e no Verde; Aveleda, Verdes e Casa Santos Lima, Lisboa, compraram no Algarve, etc. 


O lado da procura do ecossistema da VeV


No entanto, há uma outra realidade que se entrelaça com esta numa relação de amor-ódio: a distribuição moderna, as grandes superfícies, que colocaram o vinho como uma categoria de geração de tráfego e que passaram a necessitar de cada vez mais produto e representam cerca de 67% do mercado nacional do VeV. Sendo esta nova procura totalmente dependente das suas estratégias e políticas comerciais puderam impor aos produtores os seus preços e esquemas de promoção, os quais não tinham condições para contrapor preços, a não ser em pouquíssimos casos e à contre coeur. Os dados Nielsen, que não representam todo o mercado, referem que em 2019 se venderam cerca de 340 M€ (garrafas, 274,9 M €; bag in box e tetrapak 67,1 M €) 


Como é que o ecossistema está a reagir às circunstâncias atuais: a procura


Uma primeira consideração é que os primeiros meses do ano foram positivos tanto no mercado interno como nas exportações por várias razões às quais não é alheio o Brexit, porque os importadores do Reino Unido aumentaram os seus stocks e, em geral, as tendências eram positivas nos múltiplos mercados, segundo informações da ViniPortugal. Logo que começaram as preocupações com o potencial confinamento, as vendas nos supermercados também cresceram de forma anormal para se prepararem, em cada um desses mercados, conduzindo globalmente a um Q1 favorável. 


Agora que o turismo parou, os restaurantes bares e hotéis fecharam, o consumo desceu abruptamente e o consumo dos lares confinados não tem volume que compense a quebra. Alguns observadores consideram que as empresas sólidas poderão ter descidas anuais variando entre 20 e 40 % e preocupar-se-ão apenas com diminuições de 50 %. Pelo contrário, aquelas pequenas empresas vão ter muitas dificuldades e espera-se que haja uma certa razia nas que estavam com stocks altos e muito dependentes das promoções dos supermercados e o Ministério da Agricultura foi mesmo já confrontado com a eventualidade de uma destilação de crise. Este quadro de crise pode vir a constituir um novo argumento para a concentração, para aquisições e fusões, e refira-se com certa pena, para um ecossistema mais robusto e competitivo no médio prazo, mais saudável para usar uma palavra muito presente em toda a sociedade, desejada por muitos e agradecida pela maioria. 


Face ao cenário de confinamento obrigatório e de acordo com as indicações das autoridades de saúde, a Quinta da Aveleda, Esporão, Symington, JMF, etc. encerraram as atividades de Enoturismo, mas começaram ou reforçaram as vendas eletrónicas com entregas diretas a partir das suas lojas, com uma dimensão que não seria esperada. Por outro lado, quando as garrafeiras tradicionais esgotaram as suas reservas, outros operadores começaram a oferecer esta mesma distribuição: foi o caso de vários restaurantes da gama superior, assim como um importante grupo hoteleiro, entregando em casa produtos com preços acima de 20 €. 


Assim, espera-se que o comércio eletrónico passe a ser usado de modo mais habitual e que surjam operadores especializados que possam processar de forma eficiente volumes significativos dando oportunidade a pequenas empresas premium escoar os seus produtos de forma competitiva. 


Como é que o ecossistema está a reagir às circunstâncias atuais: os produtores


Do lado da produção uma notícia recente refere que a CVRVV, Comissão Vitícola da Região dos Vinhos Verdes atualizou o maior seguro agrícola do país aumentando a indemnização líquida que passa de 17 para 30 cêntimos por quilograma de uva perdido, e permite ainda que o produtor valorize a sua uva num de vários escalões até um euro por quilograma, o que se traduz em indemnizações mais elevadas em caso de sinistro e beneficia a valorização de mercado. O seu Presidente, Manuel Pinheiro, referiu algo com que muitos outros dirigentes poderiam subscrever: “Estamos a atravessar um momento de grande incerteza em que a agricultura assume um papel de particular importância na gestão futura da nossa economia. Garantir um apoio efetivo e eficaz aos agricultores e, em concreto, aos nossos viticultores é uma prioridade da CVRVV e um garante de maior estabilidade num sector que continua a produzir e que carece de mais incentivos”.


*Sobre o Projeto CV3


A AESE Business School liderou durante os últimos dois anos um projeto destinado a contribuir para a criação de valor no sector da Vinha e do Vinho. Contando com a participação da UTAD, da ADVID, da PwC e o do INIAV, desenvolveram-se eventos, redigiram-se 5 Casos de Estudo de empresas do ecossistema – Casa Relvas, Lavradores de Feitoria, etc. – e lançaram-se algumas linhas de trabalho de investigação, que estão a ser sistematizados. O Projeto envolveu cerca de 500 líderes e dirigentes de empresas que partilharam as boas práticas e as tendências para uma melhor qualificação do setor. 


Tirando partido da experiência da Escola de Negócios utilizou-se a metodologia do estudo de casos (case study), escolhidos estrategicamente, por serem identificadas as boas práticas mais relevantes e, enquadradas no contexto real.

2024 Copyright AESE Business School :: Todos os direitos reservados :: Usamos cookies para darmos a melhor experiência no nosso site. Ao continuar a sua navegação iremos assumir que não tem nenhuma objeção com a utilização de cookies.
2024 Copyright AESE Business School :: Todos os direitos reservados :: Usamos cookies para darmos a melhor experiência no nosso site. Ao continuar a sua navegação iremos assumir que não tem nenhuma objeção com a utilização de cookies.