An article a day #24 - AESE Business School - Formação de Executivos

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An article a day #24

23 de abril 2020

Cátia Sá Guerreiro

Professora da AESE na área de Fator Humano na Organização e Diretora do GOS.

Preâmbulo
30 de Janeiro de 2020
Cape Town, 22h 


Depois de um agradável jantar, estamos de volta ao confortável hotel em CapeTown, bem junto a Table Mountain. Um grupo simpático que prolongou um dia de trabalho intenso num jantar cheio de charme num bistrô onde os estilos europeu e africano se fundem numa simbiose quase perfeita. Dois brasileiros, um húngaro, dois sul-africanos e dois portugueses. O grupo, a empatia, as diferenças entre nós e os motivos que nos unem convidam a mais dois dedos de conversa antes do merecido descanso. O que motivou o encontro de um grupo tão heterogéneo, formado por gente de 4 países tão diferentes, por 3 senhoras e 4 senhores de idades compreendidas entre os 40 e os 69 anos? O desafio de discutir a formação e recursos humanos da saúde a nível global, sob a alçada da Organização Mundial de Saúde (OMS), com a ambição já antiga, e sempre legítima, de proporcionar a todos, no nosso tão pequeno e grande mundo, equidade no acesso a cuidados de saúde. 

Um olhar sobre o Setor de Economia Social


Confortavelmente sentados no lounge do hotel, foi impossível não olhar a televisão. Todos os olhares para ela se voltavam. A China. Um hospital enorme, de campanha, acabara de ser construído. Uma epidemia. Um vírus. Centenas de infetados. Prevalência crescente. Mortalidade impactante. Sendo nós elementos de uma equipa a trabalhar com a OMS foi impossível não nos determos no tema. Que coisa seria aquela? Uma loucura da China… a OMS manifestava preocupação… Era lá longe… coisa estranha… lá longe, bem ao estilo e dimensão da China…


Tempo de incerteza – um olhar sobre o Setor de Economia Social


 A 3 de Fevereiro teve início em Lisboa, na AESE, o 19º GOS, Programa de Gestão de Organizações Sociais. Um total de 47 participantes, representando 34 entidades do Setor de Economia Social em Portugal, propunha-se a vir semanalmente às instalações da Business School para receber formação com o intuito de aprofundar boas práticas de gestão e liderança. Resultando de uma parceria entre a ENTRAJUDA, CNIS, Fundação Millenium bcp e AESE, o GOS decorre ininterruptamente há 12 anos, atualmente com edições em Lisboa e no Porto. 


Para 2020, num setor fortemente marcado pela mudança de paradigma que tem vivido nos últimos anos, surgia como prioridade o diálogo intersectorial, no sentido da garantia da sustentabilidade das organizações, numa perspetiva win-win. Porque não aproximar a forma de gerir as organizações sociais do paradigma de gestão do setor lucrativo, sem desvirtuar a missão das entidades e do setor? Como promover boas iniciativas em responsabilidade social nas empresas? Como incentivar a inovação social? Tínhamos tudo isto na agenda. Já havíamos começado neste desafio do diálogo intersectorial e já temos boas histórias para contar de Alumnis AESE que, com o seu saber, apoiaram organizações “antigas alunas” GOS. Tínhamos planos para ampliar estas iniciativas. E gente de todos os setores com vontade de fazer acontecer a diferença. Alunos e alunas desta instituição, stakeholderes com interesses comuns e missões distintas. Num mesmo mundo, numa perspetiva de convergência. Queríamos desafiar os caminhos da sustentabilidade. Inovar nas práticas e nas abordagens. Provocar para redimensionar. 


Veio o vírus. E tudo mudou…


Onde estão as prioridades? As ideias… Deixaram de existir? Não… terão de ser revistas… 


O GOS não deixou de ter aulas. Como Diretora do Programa, testemunho a determinação daqueles que, estando na linha da frente da luta contra os efeitos desta pandemia, param uma tarde por semana para ter aulas online. Param para estar uns com os outros. Param para criar rede, de forma espontânea. Entreajudam-se. Fazem valer recursos que já existem. Partilham ideias, bens, serviços, conhecimento. Ouvem-se. Sabem que existem e não estão sós. Fazem-se companhia. Só tenho a agradecer por me deixarem fazer parte deste grupo. Por me “obrigarem” a planear aulas, a ter resposta, a fazer perguntas. Eles inquietam-me e pedem que nós, na AESE, os ajudemos a não baixar os braços. 


Ao longo destas semanas temos ouvido e visto muitos e merecidos elogios aos profissionais de saúde e segurança que têm trabalhado incansavelmente, e tantas vezes colocando-se em risco, por Portugal, pelas nossas gentes. Hoje, aqui, tenho de estender estes elogios, tenho de dizer bem alto um obrigada, a todas e a todos aqueles que, nas entidades do setor de economia social, se ocupam da população em risco. Funcionários de lares, de instituições de acolhimento de crianças e jovens, de associações de doentes, de tantas entidades que dão respostas a necessidades de primeira linha a pessoas que são consideradas vulneráveis e de risco neste cenário de pandemia. O setor do silêncio, que tantas vezes pouca projeção dá ao que faz mas que está sempre presente. 


Que desafios enfrentam estas entidades?


Cuidam dos outros todos os dias, 24 horas por dia, sete dias da semana, feriados, fins-de-semana, épocas especiais. São o rosto de quem acalma o outro, de quem cuida, esquecendo-se de si e dos seus medos. São eles quem acalma a saudade das famílias separadas. São, tantas vezes, a mão que ampara o último adeus.(1) 


Enfrentam os desafios da gestão de recursos humanos neste cenário conturbado, da assistência às famílias (e também às suas!), dos horários onde as horas crescem e o tempo de repouso diminui. 


Enfrentam desafios de trabalho em articulação com as entidades do Estado, com as orientações nacionais, e têm estado na linha da frente deste desafio de harmonia em prol do bem comum. Para lá do que ouvimos, das queixas que surgem, dos relatos de dificuldades, fica a certeza de esforços de todas as partes por chegar a bom porto na implementação de respostas eficazes e eficientes à pandemia. 


Enfrentam ainda desafios de sustentabilidade que, certamente, se farão sentir para lá desta fase, quando a prevalência da doença diminuir e os ritmos regressarem à esperada normalidade. Muitas organizações sociais não têm reservas financeiras que permitam aguentar o impacto de um evento catastrófico, o que significa que meses de redução de financiamento poderão conduzir ao desemprego de muitas pessoas e ao colapso de algumas organizações (2). 


Enfrentam desafios na forma como prestam serviços. Como não desvirtuar a missão e repensar as novas formas de a efetivar? Planeamento. Tomada de decisão. Inovação. Estratégias nem sempre fáceis de assumir neste setor. 


Enfrentam ainda o grande tema da Saúde Mental. Que impacto terá esta situação pandémica na nossa forma de viver em sociedade e na nossa saúde mental? O isolamento e seus efeitos. Os idosos sozinhos. Os doentes com pouca companhia. Que vai na mente das pessoas? Dos utentes e também na das suas famílias? E dos profissionais, há semanas em situação de stress? 


Como encarar estes desafios?


São aqui muito válidas as 7 Lessons for Leading in Crisis descritas por Bill George (3). Sem me deter na sua enumeração e descrição, sublinho que este autor faz duas afirmações no mínimo úteis às entidades deste setor nesta fase da sua existência. Em primeiro lugar, Crises offer rare opportunities to make major changes in an organization because they lessen the resistance that exists in good times. Olhar esta crise como uma oportunidade para fomentar a resiliência. E a flexibilidade também. Tanto para aprender ou simplesmente para ir buscar ao mais profundo de cada funcionário, de cada entidade. E aos líderes o desafio é também grande: See crisis as a chance to develop and enhance your leadership skills. Sim, para os responsáveis das entidades do setor social esta pode ser uma oportunidade para desenvolver ou aprofundar competências de liderança que impactem no presente e no futuro das suas organizações. 


Tal como nos outros setores de atividade, também neste as crises, os fracassos e os problemas são parte integrante da vida das organizações. Cabe aos líderes enfrentar essas realidades com tenacidade, coragem, integridade e espírito de aprendizagem com os erros – e não negá-las ou procurar bodes expiatórios (4). 


E àqueles que não são deste setor podemos também lançar desafios no sentido do apoio à economia social. Que posso eu fazer? Que pode a minha empresa realizar? Em primeiro lugar, a um nível amplo, urge considerar que os Estados não serão a solução para a sustentabilidade destas entidades, pois estarão assoberbados, a desenhar respostas que mantenham a pandemia controlada, a dar suporte ao sistema de saúde, e a lutar por uma vacina que consiga fazer a normalidade regressar (2). Contribuirão mas não estará neles a garantia da sustentabilidade. A mesma fonte refere ser urgente que os grandes financiadores privados mundiais não esqueçam as organizações sociais e de suporte à comunidade – que os muitos fundos acrescidos necessários para o combate à COVID-19 não canibalizem o dinheiro dos financiamentos regulares às organizações. 


Isto tem de nos fazer pensar. Como cidadão e como empresas. Que vamos fazer? Valerá a pena repensar a forma como exercemos a nossa responsabilidade social? Afinal, se calhar voltamos ao tema que o GOS iria lançar para 2020 – os desafios da intersetoralidade! 


Epílogo
22 de Abril de 2020
Lisboa, 22h 


Em Portugal vivemos uma situação de confinamento social. Um vírus. Mais que uma epidemia, uma pandemia. Afinal não era uma loucura da China. Afinal não foi bem ao estilo e dimensão daquele país. É global. Estamos a trabalhar a partir de casa. As prioridades são outras. Os estilos de trabalho mudaram radicalmente. Inesperado. Inovador. 


Na Hungria, no Brasil, na África do Sul ou em Portugal enfrentam-se os mesmos desafios. Incrível como parece que estamos ainda mais próximos. Afinal não somos assim tão diferentes… Todos lutamos por conciliar as horas e os trabalhos dos nossos dias. Todos pensamos como adaptar os projetos que temos em mãos diante do cenário atual, numa visão que tentamos ser prospetiva, mas será sempre sem termo de comparação, pois nunca vivemos nada assim. 


Bebo um chá de roibos que trouxe de Cape Town e o meu pensamento recai sobre este setor pelo qual tenho tanto apreço e estima. Economia Social e Solidária. Setor não lucrativo. Terceiro Setor. Revejo os rostos daqueles que hoje estiveram online para mais uma aula sobre Inovação em Motivação Humana. Olhares mais cansados que há semanas. Mas ali presentes. Recordo os emails que tenho recebido, os relatos de episódios vividos na primeira pessoa. Gente que não se rende. Gente que se cansa mas não desiste. 


Será uma oportunidade, sem dúvida. Uma luta, já o é. Emergirão os bons líderes. Emergirão os que inspiram. Os que deixam rasto para lá das agruras do tempo presente. Os que sabem contar histórias com cor no cinzento dos dias. É a tempestade que consagra os bons marinheiros. São esses que emergirão. É desses que queremos ouvir a voz, mais alta que a dos lamentos do impacto do inesperado.


Cátia Sá Guerreiro


1. De alma e coração: OBRIGADO! [Internet]. [cited 2020 Apr 8]. Available from: http://www.solidariedade.pt/site/detalhe/13887
2. Pedra C. Quando o suporte colapsa [Internet]. VER. 2020 [cited 2020 Apr 20]. Available from: https://www.ver.pt/quando-o-suporte-colapsa/
3. George B. Seven lessons for leading in crisis. Jossey Bass; 2009.
4. Rego A, Pina e Cunha M. Liderar em tempos de crise – reflexões para a ação. Católica Porto Business School; 2020.

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