Tal como todos os grandes acontecimentos da história da humanidade, também a pandemia que vivemos tem vindo a acelerar as tendências que progressivamente se vinham a instalar na sociedade: a digitalização, a inovação, a integração de bens e serviços com foco na necessidade dos cidadãos, a economia de rede e colaborativa, entre outros. Também ao nível da saúde, estas tendências estão presentes ao longo da cadeia de prestação de cuidados de saúde.
A Cadeia de Valor da Prestação de Cuidados de Saúde
Para qualquer condição médica é útil definir 4 fases: prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação. Este exercício é fundamental para identificar as necessidades ao nível de informação ao doente e seu cuidador, formação médica, cuidados de saúde a prestar e a sua localização, assim como necessidades de natureza económica, social e familiar. A pandemia que vivemos, pela sua relevância e mediatismo, veio ilustrar a interdependência entre as várias fases da cadeia de valor, mas também dos vários aspetos atrás referidos. Ou seja, a saúde deixa de ser vista como mais uma qualquer área da vida em sociedade, como mais uma pasta da governação. A saúde tornou-se com evidência um determinante crítico da vida das sociedades, impossível de desintegrar da componente económica, social, e de quase todas as outras.
Vários exercícios estratégicos têm vindo a ser realizados nos últimos meses, embora não seja percetível o tão necessário mapeamento de necessidades ao longo da cadeia de valor da prestação de cuidados de saúde. De destacar que este mapeamento deve ser realizado por segmentos da população (jovens, grávidas, adultos saudáveis, adultos com comorbilidades, idosos, etc.) e por condições médicas específicas (obesidade, diabetes mellitus, asma brônquica, osteoartrose, doenças oncológicas, etc.). Após o mapeamento das necessidades ao longo da cadeia de valor, deverão ser identificadas as lacunas existentes e definir um plano estratégico para as colmatar.
Dez Estratégias para o Futuro
Para além das estratégias mais específicas, a evidência mostra que qualquer plano estratégico deve considerar os seguintes aspetos gerais:
- Prevenção e diagnóstico das várias condições médicas integrando escolas, empresas e rede de farmácias, todos em articulação eficaz com a rede de cuidados de saúde primários;
- Tratamento das condições médicas de forma integrada, garantindo a colaboração eficaz das várias especialidades médicas e paramédicas, assim como dos vários níveis de cuidados primários, hospitalares, continuados e de reabilitação;
- Consolidação e integração da informação clínica dos utentes obtida pelos próprios ou ao nível dos vários prestadores e intervenientes nos cuidados de saúde – a nova diretiva de proteção de dados abre este caminho, ao colocar o cidadão como “dono” dos seus dados;
- Criação de registos nacionais de saúde que permitam, conjuntamente com sistemas de business intelligence, estabelecer modelos preditivos de saúde e doença, modelos de gestão do sistema de saúde, farmacovigilância, assim como investigação e desenvolvimento;
- Utilização dos vários recursos existentes no sistema de saúde, incluindo o sistema privado, ao invés de ignorar a capacidade instalada e que mais de 20% da população a ela recorre;
- Formação de médicos e paramédicos nas áreas de gestão, tecnologia e humanização, contribuindo assim para a melhoria da eficiência e do serviço ao utente/doente;
- Multidisciplinariedade das equipas no setor da saúde com profissionais nas áreas da tecnologia, engenharia e gestão, assim como criar funções de suporte que garantam o registo adequado dos dados e um percurso eficiente e humanizado do utente/doente ao longo do processo de prestação de cuidados de saúde;
- Contratação da prestação de cuidados de saúde baseada no valor (resultados em saúde versuscusto) para o utente/doente de um determinado segmento da população ou com uma determinada condição médica;
- Participação mais ativa dos utentes na gestão da sua saúde, dinamizando a literacia, assim como de representantes de doentes na gestão das organizações de saúde e nas entidades reguladoras;
- Inovação, investigação e desenvolvimento ao nível dos vários intervenientes no sistema garantindo vitalidade e capacidade de adaptação continua aos desafios do futuro.
Cada uma destas estratégias deverá ser enquadrada nas necessidades identificadas através do mapeamento do processo de prestação de cuidados de saúde. Assim se garante racionalidade, integração, eficiência e inovação contínua, baseada nas necessidades dos utentes e resultados obtidos.
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