A nova geração de fundos europeus vai trazer a Portugal 63 mil milhões de euros (MM€) durante a próxima década. As maiores fatias deste bolo são o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), com 16,6 MM€, o Portugal 2020 reprogramado, com 11,1 MM€ e o Portugal 2030, com quase 23 MM€. Contudo, não é certo que o País consiga aproveitar a totalidade destes fundos, e menos certo ainda que os consiga aproveitar bem. Este é o cerne da questão: não é fácil operacionalizar os fundos europeus. Para perceber porquê, vamos começar por esboçar os traços gerais deste sistema.
Em regra, acede-se aos fundos através de concurso. O concurso serve para decidir se um projecto merece financiamento, que pode ser concedido como empréstimo reembolsável ou como subsídio a fundo perdido. Se a dotação for insuficiente para os projectos candidatos, as verbas são rateadas entre eles. Os projectos são classificados de acordo com o seu mérito, que resulta da conformidade com os critérios do concurso e dos objectivos do projecto. Um projecto é, no fundo, um compromisso de (tentar) atingir certos objectivos no médio/longo prazo, em troca de financiamento. O financiamento é faseado ao longo da vida do projecto.
Este breve esboço já permitiu perceber que o sistema é complexo, com várias categorias de intervenientes. As principais são os beneficiários, as entidades gestoras, os consultores e os bancos. Cada um destes agentes tem as suas “dores”, que são os problemas, dificuldades e angústias que encontram ao longo do processo.
Beneficiários. São muito diversos. Além das empresas, pequenas, médias e grandes, públicas e privadas, podem concorrer aos fundos: as várias entidades da Administração Pública, como hospitais e escolas, direcções-gerais e institutos, municípios e freguesias; as instituições privadas sem fins lucrativos; as entidades do sistema científico e tecnológico nacional, como universidades, laboratórios e centros de investigação. A grande dor que sentem é encarar os fundos europeus como uma realidade opaca, distante e inalcançável. Quando se decidem a apresentar uma candidatura, a principal dor é estruturar projectos que harmonizem a estratégia da organização com os objectivos dos fundos europeus. Projectos desenhados ad hoc para captar fundos comprometem a organização no longo prazo e podem causar dores futuras.
Entidades gestoras. Há seis entidades responsáveis pela atribuição de fundos europeus: a Agência para o Desenvolvimento e Coesão (AD&C), que é a cúpula do sistema, o IAPMEI, o Compete 2020, a Estrutura de Missão Recuperar Portugal (que gere o PRR), a Agência Nacional de Inovação (ANI) e o Banco de Fomento. A sua principal dor é comunicar aos potenciais beneficiários a vasta gama de apoios em que os 63 MM€ se desdobram. Obsevar a baixa taxa de execução dos fundos europeus – cerca de 66% – que obriga a renegociar em Bruxelas as verbas que não foram aproveitadas, é uma dor adicional.
Consultores. Dada a complexidade do sistema de fundos europeus, é muito raro que um beneficiário consiga candidatar um projecto sem apoio externo especializado. São intervenientes fundamentais, pela competência técnica e experiência acumuladas, mas daqui nascem as suas dores. Os beneficiários tendem a subcontratar-lhes a totalidade da construção do projecto, sobrecarregando-os com aspectos que não são técnicos e que relevam da estratégia da organização e da definição do modelo de negócio.
Bancos. Participam no sistema de três formas: adiantam aos beneficiários os subsídios aprovados, que só serão libertados pelas entidades gestoras depois de realizada a despesa; concedem financiamento complementar, isto é, financiam a componente do projecto que não é considerada elegível para o subsídio; e concedem aos projectos crédito bancário garantido (as chamadas “linhas protocoladas”). Ao abrigo de protocolos celebrados com as entidades gestoras, os empréstimos são garantidos pelas sociedades de garantia mútua, o que permite dispensar garantias pessoais e reais (avales e hipotecas), bonificar taxas de juro e comissões, prolongar maturidades e permitir períodos de carência de capital. As dores dos bancos resultam de projectos mal desenhados e da visão de curto prazo de alguns beneficiários, que não percebem as obrigações de longo prazo em que incorreram. Ao contrário da tradicional relação banco/cliente, que as partes gerem com alguma flexibilidade, aqui as entidades gestoras interferem para sancionar o incumprimento de critérios, obrigações ou objectivos, podendo atrasar reembolsos ou obrigar a devolver dinheiro já recebido. O risco de crédito aumenta, danificando a relação com o cliente e penalizando o balanço do banco.
Escolas de negócios. Um interveniente que tem estado ausente deste processo, mas que tem como missão pensar as organizações e os seus problemas. A AESE vai entrar neste debate com a criação do Next Generation Program, que pretende ser uma plataforma neutra de discussão entre todos os intervenientes, e uma forma de “espicaçar” as organizações a apresentar candidaturas. Esperemos que desta iniciativa pioneira – e de outras semelhantes – nasçam curas para todas estas dores.
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