A pandemia COVID-19 e a tecnologia disponível trouxeram algumas mudanças em muitos sectores da sociedade e cultura modernas. Da mudança dos procedimentos tradicionais de trabalho e escola para o sector da saúde, algumas transformações trazidas pela COVID vieram para ficar e outras vieram para ajudar a repensar os modelos. As organizações de saúde têm sido rápidas a aceitar e a adotar a maioria destas mudanças porque não podem ser apanhadas desprevenidas novamente se acontecer outra crise de saúde global. Por outro lado, o utente ou utilizador já não abdica de algumas dessas mudanças, ou chamem-lhes evoluções.
Com esta aceleração da transformação digital na área da saúde, vislumbramos a criação de novos ecossistemas de saúde e a adoção mais rápida de soluções digitais; no entanto, ainda é difícil de vislumbrar que mudanças vieram para ficar e conquistar muitos utilizadores.
Vamos continuar a assistir a muitas mudanças no sector dos cuidados de saúde, de momento, as mais visíveis e importantes são:
- Big Tech Health – as grandes tecnológicas continuam a avançar no mundo de saúde, com a Google à cabeça;
- E-Health – a telemedicina passa de nicho a necessidade;
- Alemanha, “O paraíso da saúde digital” – será um modelo para outros sistemas de saúde?;
- Prevenir para antecipar – a previsão da doença ganha força;
- Geração C – os hábitos de consumo de saúde no pós covid;
- Está a chegar o metaverso? – a jornada de fornecedores de saúde para o mundo virtual
Todas as grandes tecnológicas estão a posicionar-se na área da Saúde, desde Google, Microsoft, Amazon, NVIDIA, Apple, IBM e tantas outras. A Google, é sem dúvida, a empresa que mais projetos substanciais tem em andamento:
As pesquisas relacionadas com saúde no motor de busca da Google representam 7% (70.000 pesquisas por minuto). Será obvio prever que a Google pretende ser um gigante na Saúde. Desde muito cedo, em 2008, a Google lançou o seu 1º projeto nesta área Google Health, uma aplicação (app) que pretendia apenas registar e organizar os dados de saúde dos seus utilizadores.
Apesar de alguns contratempos, a Google está a revisitar projetos antigos, reorientar os esforços da sua equipa de saúde e já anunciou novas parcerias. Parece que os planos de saúde da gigante tecnológica estão por todo o lado. Mas isto pode ser porque o Google quer estar em todo o lado nos cuidados de saúde.
No entanto, os últimos desenvolvimentos indicam que as vias mais promissoras para a empresa são as relacionadas com a IA (Inteligência Artificial), software de monitorização remota e Cloud Computing. Mas a Google também é notória por descontinuar até os projetos mais ambiciosos dos seus planos.
Podemos evidenciar vários projetos onde a Google está presente. Começando com a Verily Life Sciences. É uma plataforma que nasceu em 2017 e cria soluções que integram geração de evidência (dados) numa plataforma digital para pesquisa e investigação clínica, prestação de cuidados e gestão de cuidados num ecossistema conectado e construído para promover a saúde de precisão para todos. Uma das soluções da Verily é a ONDUO: uma plataforma digital desenhada para ajudar doentes e gerir doenças crónicas tais como Diabetes, Hipertensão e Obesidade. ONDUO faz a recolha e trata dados provenientes de diversos dispositivos e outros software, análise de dados recolhidos e integrados com diversas especialidades.
Graças à notoriedade da Google neste setor da Saúde, vários incumbentes da Farma também procuram aliar-se, como por exemplo a Boehringer Ingelheim (BI). Esta união pretende potenciar a R&D (Research & Investigation) na investigação de novos medicamentos. Primeira empresa no sector farmacêutico a unir esforços com a Google na área da computação quântica. Segundo Jeff Wessinger (Pharma Technology Focus), esta aliança é a prova do poder dos dados, IA e ML (Machine Learning) para acelerar R&D.
Outra mudança estrutural na área da saúde é a aceleração do e-Health e, em particular, da Telemedicina. O e-Health é um mundo muito vasto que se define por uma prestação de cuidados de saúde que usa tecnologia de informação e comunicação eletrónica quando o prestador de cuidados e o doente não estão em contacto direto (definição retirada de Alvin B. Marcelo, … Boonchai Kijsanayotin, in Roadmap to Successful Digital Health Ecosystems, 2022). Neste tipo de comunicação, também se inclui ferramentas tão simples como o uso de e-mail, mensagem de texto, notificação push, websites e aplicações baseadas em dispositivos móveis.
A Universidade de Medicina de Stanford através do Centro para a Saúde Digital, analisou a utilização e a progressão da telemedicina por modalidades tais como videochamada, chamada telefónica, app e website de saúde, email, mensagem e vídeo. Verificaram que a adoção da telemedicina nos últimos 6 anos cresceu, sobretudo através das videochamadas, bem como pela utilização de app’s.
Vários grandes grupos empresariais lançaram-se nesta área da telemedicina, tal como o Grupo MasMóvil, operador ibérico de telecomunicação. Eles disponibilizam um serviço de telemedicina, de telefarmácia, de testes e de e-prescrições, aberto aos seus clientes e a clientes de outras empresas com a colaboração da Quirón Salud e Meeting Doctors por 8€ mensais. Muito recentemente, lançaram também um seguro de saúde muito atrativo para as respetivas famílias já inscritas neste serviço da doctorGO. A Movistar, outra operadora telefónica, lançou a MOVISTAR Salud em parceria com a Teladoc. Por um valor fixo, também prestam um serviço de consulta e assistência médica por chamada e videochamada. Amazon, Alibaba e Cleveland Clinic são outros exemplos de grandes empresas que se lançaram neste mundo da telemedicina.
A Covid-19 deixou a medicina virtual “sair do armário” e ser aplicada sem grandes regras. Agora é hora de repensar a sua aplicação. Se não o fizermos, existe o perigo de se tornar um pilar sem regras dos nossos cuidados médicos. Implementar a telemedicina de forma alargada ou demasiado rápido, poderá levar a uma prestação de cuidados mais pobres, com desigualdades e com mais suspeitas negativas para uma área tão sensível. A pandemia demonstrou que a medicina virtual é ótima para muitas visitas simples, de triagem inicial ou de seguimento. No entanto, precisamos ter consciência que há sinais e sintomas que a medicina virtual pode não detetar, sugerem alguns estudos.
A telemedicina também atraiu investidores. De acordo com a Rock Health, um fundo de investimento especializado em saúde digital, só nos EUA e nos primeiros 9 meses de 2021, excedeu o valor de 20 biliões de dólares. Conclusão de 2021 sobre a telemedicina: um consumo sólido e sustentado, uma perceção favorável por parte do consumidor e investimentos tangíveis. Só os EUA representam um mercado de 250 mil milhões de dólares.
A Alemanha tornou-se um modelo na gestão de inovação da saúde digital. Já no final de 2019, o parlamento alemão aprovou a Lei dos Cuidados de Saúde Digital (Digitale-Versorgung-Gesetz – Lei de Fornecimento Digital, ou DVG). Esta lei pretende facilitar a introdução e determinação dos benefícios destas novas ferramentas. Os pontos mais importantes, talvez sejam, a formalização de “prescrição de aplicações”, que incluem software padrão, SaaS e mobile, bem como aplicações baseadas no browser, e a criação de processos fast-track, um caminho regulamentar acelerado para as empresas levarem as suas aplicações digitais de saúde para o mercado.
No rescaldo imediato da passagem da DVG, a pandemia Covid-19 sublinhou ainda mais a necessidade de ferramentas digitais seguras e eficazes para apoiar a monitorização remota e a prestação de cuidados em todo o mundo. A introdução oportuna da DVG significa que a Alemanha está pronta a dar o exemplo para outros países na adoção e difusão de tecnologias digitais para melhorar os resultados dos seus utilizadores.
Outra tendência muito visível no mercado é a previsão da doença. As tecnologias digitais de saúde oferecem formas de autogestão da saúde, com foco na previsão de doenças em vez de simplesmente tratá-las. Os dispositivos digitais mais simples já estão a ajudar a controlar a frequência cardíaca e o açúcar no sangue. Ao receber estes alertas, o utente pode visitar um prestador de cuidados de saúde e assim reduzir as idas às urgências.
Os autotestes também aparecem como forma rápida de detetar/prever problemas de saúde tais como:
. Autoteste à saliva para rastrear hormonas, vitaminas e minerais ou marcadores;
. Autoteste à flora intestinal para conhecer a diversidade bacteriana que existe e detetar possíveis desequilíbrios;
. Testes genéticos para detetar mutações relacionadas com carcinomas tais como o cancro da próstata (23andME já tem aprovação da FDA);
. Testes genéticos que revelam o risco de desenvolver a doença de Alzheimer (lançado pelas empresas Infinity BiologiX, Cytox e Vanguard Pharma).
Os hábitos de saúde gerados no pós covid – Geração C. Os zillennials valorizam cada vez mais a sua saúde e bem-estar. A crise na saúde acelerou esta tendência que já começava a tomar conta dos jovens dos 20 e 30 anos. Segundo o INE (de Espanha), quase 12% da população faz parte desta faixa etária composta por zillennials (os millennials mais jovens). Esta geração gere a pandemia numa fase vital marcada por novos começos e mudanças constantes, pelo que é comum nestes “nativos digitais” preocuparem-se especialmente com o seu próprio bem-estar (online ou offline).
As novas gerações entendem a saúde como um elemento integral, que engloba a aptidão física, alimentação, exercício, aparência. Para os jovens, estar bem implica um equilíbrio entre todos estes fatores.
Um interessante Insight de um utilizador em “The age of Balance”: «Para mim, o bem-estar é um equilíbrio entre as coisas que quero fazer, as coisas que preciso fazer e as obrigações que tenho. Sair do trabalho e ser capaz de arejar fazendo algo que eu gosto!»
Os zillenials são a primeira geração completamente digital. O imediatismo e o domínio da tecnologia caracterizam esta geração, manifestam-se de forma clara e sem preconceitos no seu papel de utilizadores e consumidores de serviços de saúde. Este novo consumidor é muito ativo, cada vez mais empoderado e com exigências crescentes e em contante mudança. Trata-se de uma população multi-ecrã e multi-dispositivo que requere uma comunicação omnichanel crescente em todos os canais. É o grupo populacional em que a e-saúde tem mais utilização e penetração em comparação com outras gerações. De tudo isto, começam a surgir novas patologias tais como: nomofobia, tensão ocular, distimia e adições.
O motor de busca Google é incrivelmente influente com os Millennials: 47,6% confiam no Google para encontrar avaliações sobre prestadores de cuidados de saúde. Apenas 28,8% dos Baby Boomers confiam no Google. Para os millennials, a classificação/avaliação do utilizador é o fator mais importante que influencia a sua escolha de médicos e prestadores, seguido pelo tipo de acordo com seguradoras e proximidade. (2021 HealthCare Reputation Report).
Está a chegar o metaverso? – a jornada de fornecedores de saúde para o mundo virtual. «O metaverso é um conjunto de espaços virtuais que podem ser criados e explorados com outras pessoas que não estão no mesmo espaço físico. Será possível sair com amigos, trabalhar, brincar, aprender, fazer compras, criar e muito mais. Não se trata necessariamente de passar mais tempo online mas tornar o tempo que passa online mais significativo. O metaverso não é um único produto criado apenas por uma empresa. Tal como a internet, o metaverso existe quer o Facebook esteja lá ou não. E não será construído de um dia para o outro. Muitos destes produtos só estarão completos nos próximos 10-15 anos.» Definição do Facebook, blog corporativo de 27 de setembro 2021.
O metaverso atual já teve vários precedentes reais tais como o “Second Life” criado em 2003 pelo Liden Lab. Este tipo de realidades virtuais – mundos online, metaversos ou multiversos – está novamente a crescer. Prova disso são 8 milhões de auscultadores virtuais que a Google já vendeu.
A generalização dos videojogos imersivos também facilitou a chegada do metaverso. Para muitos, foi uma porta de entrada. Uma realidade que, de algum modo, já entrou nas nossas casas. Tim Sweeney (CEO da Epic Games) descreve o Fortnite como um metaverso que mistura jogo, diversão e rede social. Com o concerto de Ariana Grande no Fortnite, evento de música ao vivo, a Epic Games consolida o seu posicionamento. O tour de vários dias ofereceu aos jogadores e aos fãs de Ariana Grande muito para desfrutar, enquanto mostrava uma visão arrojadamente suave e criativa da Epic para eventos ao vivo assistido por milhões de pessoas simultaneamente.
Decentraland é um outro mundo virtual onde já pode adquirir terrenos, vender as suas criações, viajar, expor obras de arte digital, assistir a eventos, ouvir música e socializar entre outras coisas com a sua própria moeda e o seu próprio terreno. Apresenta-se como sendo o primeiro mundo virtual detido pelos seus utilizadores onde podem criar, explorar e comercializar.
A Microsoft também entra no metaverso e cria o Mesh, um espaço virtual com avatares para reuniões de equipas acessível através de telemóveis e portáteis.
Na área da medicina, o metaverso, para já, está a dar os seus primeiros passos na área da formação e treino médico. Com a evolução do metaverso, Timothy Witham (diretor do laboratório de neurocirurgia do John Hopkins) acredita que irão aparecer muito mais oportunidades e aplicações.
Bruno Larvol, CEO de uma empresa de tecnologia da indústria farmacêutica, propôs-se dirigir a sua empresa através do metaverso durante um ano. Através desta experiência, ele pretende adquirir uma perceção real deste novo mundo, bem como a sua utilidade e aplicabilidade. «Negociar em realidade virtual não é para os fracos de coração (…) É um pouco como iniciar uma sessão na internet em 1996, mas o resultado vale o esforço. Ter o nosso escritório no metaverso através do Spatial deu-nos a proximidade que faltava, e ajudou-nos a conectar, colaborar e inclusive a desafiar os limites de como navegar no mundo da tecnologia com os nossos clientes», disse o CEO da Larvol.
Todo o ecossistema da Saúde está a mexer a vários níveis. Ainda é difícil definir um cenário claro a médio prazo, e, deste modo, torna-se ainda mais importante continuarmos atentos. Em jeito de conclusão, estas seriam as principais tendências de 2022 a realçar e a seguir com alguma atenção:
As tecnológicas crescem, e ameaçam tomar o lugar de prestadores de saúde tradicionais, empoderados por dados e pela sua capacidade de atendimento ao cliente.
A telemedicina passa de moda a necessidade com a entrada de governos, start-ups, empresas de telecomunicações e outras para regular e aproveitar as oportunidades deste novo caminho. O cliente aplaude este tipo de soluções, mas continua a querer ver o médico.
A figura do doente autónomo cresce, e adere facilmente a ferramentas para gerir a sua própria saúde.
Aparecem novos formatos de serviços de saúde, especialmente em alguns países, como forma de resposta a uma medicina ou a uma prestação de cuidados de conveniência.
O conceito de saúde continua a expandir, empurrado para um novo tipo de doente/utente – especialmente os millennials e geração Z – que se preocupa mais com o seu bem-estar de forma geral.
A realidade virtual e aumentada veio para ficar no sector da saúde nas áreas da reabilitação, educação e relação com doente/utente.
Robôs assumem cada vez mais tarefas tradicionalmente atribuídas a pessoas e aportando redução de custos, omnipresença, monitorização e mesmo emotividade.
Da prevenção à antecipação: serviços para identificar potenciais doenças no futuro.
As novas gerações têm uma relação diferente com o médico: eles sabem mais e pedem mais rapidez, transparência e controlo.
Na comunicação e ligação com o doente/utente, o Tiktok e o metaverso abrem novas possibilidades.
Artigobaseado no Relatório health & trends – relatório de tendências de saúde, de Juan de los Ángeles (C4E)
Tesla e Elon Musk – um desenvolvimento surpreendente nesta última década
José Ramalho Fontes
Presidente da AESE e Professor de Operações e Tecnologia
Portugal: tendências de negócio na hotelaria e turismo
Paulo Mesquita
COO at Dom Pedro Hotels & Golf Collection, Alumnus do Executive MBA AESE
Riscos éticos: conflito de interesses
Leonor Castel-Branco
Investigadora da Cátedra de Ética na Empresa e na Sociedade AESE/EDP