AESE insight #80 > Thinking ahead
A short history of Business Ethics: podemos aprender alguma coisa?
Marta Lince de Faria
Professora de Fator Humano na Organização e de Microeconomia na AESE Business School, Cátedra de Ética da Empresa e na Sociedade AESE / EDP
A história a contar da Business Ethics dependerá da acessão que façamos do termo. O autor que vou seguir neste artigo – Richard T. De George – considera que há pelo menos três interpretações do conceito Business Ethics. O sentido primário do termo é a disciplina académica ou o campo de ensino que encontramos em escritos ou em aulas. O segundo sentido é o utilizado quando somos confrontados com escândalos corporativos. Nesse sentido, mais amplo, a história da Business Ethics remonta à origem dos negócios, enquanto os negócios são uma ação humana e, portanto, dotada de moralidade. O terceiro sentido da Business Ethics refere-se a um movimento que visa cimentar a ética nas estruturas das corporações sob a forma de códigos de ética, gabinetes, comités, training em Business Ethics ou até mesmo atraindo investidores socialmente responsáveis.
Comecemos pelo segundo tipo de Business Ethics. Neste caso, a história é triste de contar porque a cadência dos acontecimentos é marcada por escândalos que por vezes terminam em falências. Os exemplos mais paradigmáticos distribuem-se ao logo dos anos: 1995 Banco Barings; 2001 Enron, 2002 Artur Andersenon, 2003 Parmalat, Lehman Brothers and Bernard Madoff Investment Securities 2008, BP 2010, Banco Espírito Santo 2013, Volkswagen 2015, Uber 2017, Theranos and Facebook 2018, Wirecard 2020. A pergunta é: qual virá depois? Depois de cada desastre, reguladores e autoridades fazem esforços hercúleos por prevenir novas situações com normativas que muitas vezes protegem os stakeholders das empresas, mas também introduzem burocracia e diminuem a produtividade.
O movimento do Business Ethics – a terceira acessão do termo – nasceu como resposta a todos estes escândalos. As empresas têm procurado criar uma estrutura gestão do risco ético, têm desenvolvido códigos de ética e têm aplicado normativas relativamente a diversidade, equidade e igualdade. O esforço tem sido grande também na Europa, com uma décalage de várias décadas em relação aos Estados Unidos, se tem vindo a tomar medidas drásticas, pensemos no nosso RGPD que já entrou no quotidiano de todos. Nos Estados Unidos estas medidas foram iniciadas com o U. S. Civil Rights Act de 1964 ou com Foreign Corrupt Practices Act em 1977 depois de diretivos de uma corporação Estadunidenses se verem envolvidos num escândalo de corrupção com políticos japoneses. Hoje em dia este movimento está a criar cultura e a dar que falar: CSR, Compliance, Sustentabilidade, ESG, Inovação Social, Investimentos com impacto, etc. No entanto, nem todos os especialistas de Business Ethics consideram benignas as manifestações deste movimento.
E relativamente ao Business Ethics como disciplina, o que aconteceu? Embora o primeiro curso de Business Ethics tenha começado a ser oferecido pela Harvard Business School em 1915, só na segunda metade do século XX é que as escolas de negócios começam a levar a sério esta questão. Os anos 60 são um período de grande contestação social, política e institucional, por isso, as empresas desenvolvem o conceito de CSR – Corporate Social Responsability. Como resposta, as escolas de negócios passam a oferecer cadeiras sobre responsabilidade social ou questões sociais relacionadas com a gestão. Estas cadeiras são maioritariamente lecionadas por professores de gestão com muito enfase na lei e na normativa e pouca reflexão filosófica. Só na década de 70 é que o Business Ethics aparece como um campo académico autónomo com a “entrada” de muitos filósofos nas universidades de gestão e escolas de negócios. Considera-se que a primeira conferência sobre Business Ethics foi em novembro de 1974 na University of Kansas. No fim da década de 70 publicam-se três antologias – Ethical Theory and Business; Ethical Issues in Business: A Philosophical Approach; Moral Issues in Business (1979). E só no início dos anos 80 é que se publicam os primeiros manuais de um só autor: Business Ethics de Richard De George (1982) e Business Ethics: Concepts and Cases de Manuel G. Velasquez (1982). A verdade é que a disciplina demorou vários anos para se definir, incorporar padrões de erudição e rigor de modo a ser aceite entre as outras disciplinas académicas. Em 1980 foi criada a Society for Business Ethics e em 1987 é a primeira reunião da EBEN – European Business Ethics Network – como resultado do crescente interesse de alguns académicos europeus relativamente ao desenvolvimento do Business Ethics nos Estados Unidos. Em 1989 criou-se a International Society for Business, Economics and Ethics que ajudou grupos nacionais em todo o mundo a desenvolver sociedades locais ou regionais de ética empresarial, de modo que agora existem sociedades num grande número de países desenvolvidos e menos desenvolvidos. Também destas organizações nasceram as primeiras revistas científicas da área da Business Ethics.
Podemos aprender alguma coisa de tudo isto? Diria que assim como no campo académico os gestores tiveram que dar lugar à entrada de filósofos para que a reflexão acerca do Business Ethics pudesse aportar valor à Academia, no dia a dia das empresas é fundamental voltar a fazer perguntas radicais. O que é uma sociedade? O que é uma empresa? O que é uma pessoa? Tenho experimentado em aulas e programas de gestão que descobrir a essência das coisas pode ser muito mais iluminador do que repetir uma série de princípios que as pessoas devem cumprir. Se entendemos o que as coisas são, percebemos o que as pode potenciar em tudo o que têm de benéfico – e o que é a Ética senão a procura da excelência Humana? Mas esta reflexão não pode ser apenas filosófica deve ser histórica, cultural, linguística. Deve ser sobretudo humanística. A nossa sociedade é cientifica e técnica, mas tem um default enorme no que diz respeito às humanidades. Sabemos como movimentar-nos mais rápido e com mais estilo, sabemos como prolongar a vida e sabemos como multiplicar o dinheiro. Mas não sabemos para onde queremos ir, por que coisas queremos viver e dar a vida nem sabemos descobri em que vale a pena aplicar os recursos valiosos da terra. A crise da ética é uma crise de humanidade por isso o fundamental é voltar a introduzir pegadas de humanidade na nossa vida, nas nossas instituições, no nosso dia a dia.
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Image: Sean Gallup/Getty Images