O próximo dia 15 de novembro de 2022, de acordo com as Nações Unidas, será o dia em que a população mundial atingirá os 8 mil milhões. As projeções sugerem ainda que a população global pode crescer para além dos 10 mil milhões de pessoas até ao final do século.
Tal como a geografia, a demografia pode não determinar inteiramente o destino das nações, mas condiciona-a em grande medida. Por isso mesmo, acompanhar as tendências demográficas é, hoje em dia, crucial para planear o desenvolvimento económico e social de qualquer comunidade humana, seja esta um país, uma empresa, uma tribo ou uma família.
Tradicionalmente, muitas das discussões sobre o crescimento populacional começam no trabalho de Thomas Robert Malthus, cujo Ensaio sobre o Princípio da População, publicado no final do século XVIII, é uma das obras seminais da demografia. Malthus vaticinou que o crescimento exponencial da população levaria a uma grande fome e à hecatombe, uma vez que os meios de subsistência não aumentariam ao mesmo ritmo.
Hoje, podemos concluir que Malthus tinha razão quanto ao crescimento exponencial, mas estava profundamente enganado sobre as terríveis consequências de tal crescimento. Malthus não foi capaz de antever que o processo de industrialização e desenvolvimento que diminuiu as taxas de mortalidade também diminuiria, a seu tempo, as taxas de fertilidade. Na verdade, a transição demográfica iniciada com a Revolução Industrial, desenvolver-se-ia em duas fases, simplificadamente: uma primeira fase de redução da mortalidade infantil, aumento da taxa de natalidade, prorrogação da longevidade, grande crescimento populacional…. e uma segunda fase de redução da taxa de fertilidade, estagnação e, em seguida, declínio da população.
Cruzando com a perspetiva económica, observa-se que níveis de vida mais elevados associados a uma melhor educação, em particular à educação e capacitação femininas, conduziram, no final, a famílias mais pequenas. Neste sentido não é claro o ponto de viragem entre, por um lado, o boom demográfico, o salto tecnológico, a melhoria das condições de vida e a redução da mortalidade e, por outro lado, a abundância de bens e a diminuição da taxa de fertilidade.
O que sim é claro, é que este movimento que primeiro aconteceu nos chamados países industrializados, acaba por se verificar, com algumas variações e a ritmos diferenciados, na maioria dos países do mundo. Assim, existem países onde os níveis de fertilidade se mantêm elevados (ex. alguns países do Norte de África e do Sul da Ásia), países onde o declínio da fertilidade se começa a sentir (ex. muitos países da América Latina) e países, como Portugal, com uma população envelhecida. Todos estes cenários são igualmente desafiantes.
Países com elevada fertilidade sustentada têm o desafio de educar um número sempre crescente de crianças e jovens o que absorve grande quantidade de recursos e muitas vezes de forma não eficiente, acabando por limitar possíveis esforços noutras áreas do desenvolvimento humano como sejam a saúde, a habitação, a industrialização ou a cultura.
Já em países com uma recente queda sustentada da fertilidade, pode encontrar-se uma maior percentagem da população em idade ativa face a outras faixas populacionais. Ora esta mudança na distribuição etária proporciona uma oportunidade excelente para um crescimento económico acelerado (conhecido como o “dividendo demográfico”). O desafio para estes países é a capacidade de investir no desenvolvimento das suas pessoas, garantindo o acesso aos cuidados de saúde, a educação de qualidade ao longo da vida, a oportunidades de emprego e trabalho digno.
Mas o grande desafio tem a ver com a percentagem da população global com idade igual ou superior a 65 anos que já é grande e continuará a subir (de 10% em 2022 para 16% em 2050). Até 2050, prevê-se que o número de pessoas com idade igual ou superior a 65 anos em todo o mundo seja mais do dobro do número de crianças com menos de 5 anos e o mesmo número de crianças com menos de 12 anos.
Na Europa, o envelhecimento da população ainda é mais significativo: as projeções apontam para que, em 2050, 1 em cada 4 pessoas tenha mais de 65 anos. Aliás, a atual distribuição populacional europeia, caracterizada por este processo avançado de envelhecimento conjugado com uma fertilidade abaixo do nível de substituição desde o final da década de 1970, fará com que a Europa seja a única região em todo o mundo onde se espera um declínio populacional sustentado entre 2022 e 2050 (menos 7 por cento).
Portugal não foge à regra, com uma taxa de fertilidade a decrescer desde 1962, situando-se atualmente em 1,34 (uma das mais baixas mundialmente) e um crescimento natural negativo (mais mortes que nascimentos) desde 2008. Este panorama significa que temos de fazer tudo: oferecer uma educação de qualidade para crianças e jovens, investir no desenvolvimento da população ativa, promovendo o emprego produtivo, o trabalho digno e a educação ao longo da vida e ainda tomar medidas que visem a proporção crescente de seniores, nomeadamente a sustentabilidade dos sistemas de segurança social e de pensões, e o estabelecimento de cuidados de saúde adequados à diversidade e fragilidade das situações humanas. Em relação a esta faixa etária, e mais além destas medidas, é decisiva a habilidade das empresas e instituições em geral, para saber aproveitar todo o grande potencial de conhecimentos, de capacidade de trabalho e riqueza cultural que estas pessoas acumularam ao longo da vida, para que continuem como cidadãos ativos ao serviço das outras gerações e da sociedade.
Mas ainda assim, todas estas iniciativas não serão suficientes. O nosso crescimento populacional dependerá cada vez mais da taxa de fertilidade. A imigração é, sem dúvida, uma contribuição importante, mas não uma solução estrutural, já que genericamente se comprova que após uma geração, os imigrantes tendem a absorver o comportamento do país recetor.
E para que a taxa de fertilidade inverta a sua tendência decrescente, o único caminho é fomentar a natalidade, dar condições às famílias e apoiar as empresas. Todas são igualmente necessárias porque não se trata apenas de que nasçam mais crianças, mas que as que nasçam possam crescer num ambiente humano e humanizador como só a família sabe naturalmente ser. E famílias e empresas necessitam-se mutuamente para um desenvolvimento profícuo.
Hoje, ao contrário do pensamento malthusiano, uma população em crescimento constitui um grande ativo. Por várias razões: porque garante a sustentabilidade humana, porque é um importante trunfo geopolítico e porque, num mundo em que a globalização é uma realidade e a tecnologia quase uma commodity, se trata de um fator determinante da dimensão e qualidade da economia do país.
Concluindo, pensando no futuro de Portugal e da Humanidade, é fundamental ter uma população forte e equilibrada, suportada em empresas e famílias saudáveis. Tal significa enfrentar, simultaneamente, todos os desafios comentados. E acrescentar-lhes a sustentabilidade do planeta que, em última análise, nos fornece não só os alimentos que comemos, mas a água que bebemos e até o ar que respiramos. Pensando bem, globalmente, talvez tenhamos um desafio muito maior do que os perspetivados por Malthus há 200 anos. Um desafio maior, mas não impossível de ultrapassar. E por isso vale a pena celebrar os 8 mil milhões que somos!
Publicado no Jornal de Negócios
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