Tive o prazer de jantar há umas semanas com uma boa amiga. No meio das nossas conversas, de pôr as novidades em dia e de um simpático copo de vinho branco, dizíamos uma à outra como tinha sido bom aquele programa marcado em cima da hora, a meio da semana e à conta de um telefonema sobre qualquer outro assunto.
Foi sorte que ela estivesse no Porto, que eu tivesse o meu dia alinhado para poder estar com ela e que aquele telefonema tivesse acontecido. Concluímos que ambas temos efetivamente demasiadas vezes os dias demasiado preenchidos e fizemos o mea culpa de “dizermos sempre que sim a tudo”.
Nessa noite, fiquei a pensar nos “sins” que digo e nos “nãos” que não digo e veio-me à cabeça uma frase que ouvi há uns tempos: “O teu trabalho ao longo de toda a tua vida, é desapontar tantas pessoas quanto for necessário para evitar desapontares-te a ti mesma.” (Glennon Doyl, Untamed).
Esta frase marcou-me porque, apesar de reconhecer nela uma enorme verdade e sentido, pareceu-me quando a ouvi, que desapontar pessoas não é propriamente um objetivo de vida que pareça, à primeira vista, muito apelativo. Mas e se o preço a pagar por omitir uns quantos “nãos” for o nosso próprio desapontamento e a falha para com a nossa missão de vida?
Acredito que é o medo que nos impele a dizer tantas vezes que “sim” e tão poucas vezes que “não”. Dizemos que “sim” mais vezes do que queríamos como forma de evitar conflitos e a desaprovação dos outros, e de manter uma aparente harmonia na nossa rotina.
Este medo pode materializar-se como o medo de ferir alguém, o medo de perder uma oportunidade profissional ou pessoal (o famoso FOMO – fear of missing out), o medo de ficar mal visto pelos pares, familiares ou amigos, o medo do que possam pensar ou dizer de nós e, pior ainda, o medo de assumir para nós mesmos que não conseguimos acrescentar mais nada à nossa lista de compromissos. Que não somos assim tão elásticos como pensávamos, em termos de tempo e de recursos e que, afinal, não conseguimos “chegar a tudo”.
Mas vamos por partes.
O “não” e o “sim” são duas faces da mesma moeda. Quando uma está voltada para cima, a outra não se vê e vice-versa. Se eu digo que “sim” a um projeto, não posso, ao mesmo tempo, dizer-lhe que “não”. Se digo que “não” a ficar mais uma hora na cama de manhã, não posso dizer que “sim” aos cobertores e à almofada, por mais confortáveis que possam estar nesse dia.
Na verdade, quando dizemos que “sim” a algo, dizemos ao mesmo tempo uma série de “nãos” silenciosos a muitas outras coisas.
Se me comprometo com uma amiga para fazer um determinado programa, digo “não” a todas as infinitas possibilidades que poderia ter de fazer outros programas com outras amigas.
Da mesma forma, se digo que “sim” a um projeto de vida pessoal, digo uma série de “nãos” a todos os outros caminhos que poderia ter escolhido.
É duro, física e emocionalmente, tentarmos dizer “sim” e “não” ao mesmo tempo e às mesmas coisas, pois nem a nossa cabeça, nem o nosso coração estarão plenos em qualquer uma das duas.
Como trabalhar então esta assertividade, esta capacidade de dizer “sim” quando queremos dizer “sim” e “não” quando queremos dizer “não”?
Em primeiro lugar, é importante ter muito claro o que é não negociável na nossa vida e nos nossos dias.
Numa tónica mais pessoal, é importante termos claro a razão pela qual fazemos tudo aquilo que fazemos. O propósito dos nossos dias. O que fazemos com as horas que nos são dadas todos os dias e porque o fazemos?
Quando temos claro o caminho que queremos seguir, mais facilmente conseguimos dizer que “sim” a tudo o que nos aproxima desse caminho e que “não” a tudo o que nos afasta dele.
É também fundamental termos bem claras as nossas prioridades. Porque dentro de cada caminho que escolhemos, vestimos inevitavelmente vários papeis, que é preciso saber gerir.
Fala-se muito atualmente do equilíbrio trabalho-família, mas parte-se muitas vezes de uma visão demasiado binária em que um e outro são mutuamente exclusivos, “ou um ou outro”, quando na realidade, o equilíbrio de todos os papéis da nossa vida se consegue exatamente pela aceitação de que umas vezes o lado profissional tem a prioridade do nosso tempo e foco, e outras vezes será mais o lado familiar, ou o social ou o pessoal. E que a vida é um somatório de todos esses momentos e da compensação que fazemos deles e por eles, sempre que podemos.
Na verdade, quando temos claras as nossas prioridades e o nosso caminho, facilmente percebemos que não nos podemos dar ao luxo de nos comprometer com “qualquer coisa”, por mais apelativa que nos possa parecer.
O nosso tempo é um recurso finito e muitas vezes escasso. Quando temos dificuldade em dizer que “não” a compromissos que não concorrem para o nosso projeto de vida (pessoal e/ou profissional) enchemos os dias de planos que a longo prazo não nos fazem avançar na direção certa. E em vez de avançar, acabamos cansados, sem motivação e ressentidos com a pessoa ou a situação que nos desafiou a aceitar aquele compromisso.
Mais do que isso, com a agenda demasiado cheia, tendemos a sacrificar momentos essenciais à nossa saúde e bem-estar físico e emocional só para encaixar “mais qualquer coisa”, pondo em xeque coisas tão importantes, como a nossa paciência, a nossa capacidade de resistência a dias mais intensos, a nossa criatividade, o nosso bom humor e o nosso ânimo.
Pode ser a corrida matinal que fica por fazer para começarmos uma reunião mais cedo, as horas de sono que ficamos a dever à cama porque não quisemos faltar àquele jantar ou o tempo com os amigos e família que sacrificamos por um encontro com trabalho pendente ou solicitações de última hora que queremos agarrar.
Nisto, como em tantas coisas na vida, uma vez não são vezes, mas muitas vezes podem ser vezes a mais.
E vamos comprometendo sem perceber, a nossa saúde, o nosso sono, e os planos que enchem os nossos dias de boas recordações, de motivação e de entusiasmo.
Algumas sugestões práticas que sempre trabalhamos em contexto de coaching, no que diz respeito à assertividade dos nossos “sins” e “nãos” são:
- Dominar os dias – no início de cada semana apontar na agenda os não negociáveis, sejam eles o tempo de família, um compromisso que assumimos com um amigo, alguma hora que queremos dedicar a uma atividade concreta, tempo para fazer exercício, uma consulta urgente etc.
De acordo com o artigo “Nine practises to help you say no” da Harvard Business Review, “se não sabes onde queres gastar o teu tempo, não saberás onde não o queres gastar.” É fundamental, por isso, termos bem claro onde queremos alocar cada hora dos nossos dias e aquilo que constitui, na realidade e, seja porque razão for, um desperdício do nosso tempo. - Responder com tempo – ao contrário do que muitas vezes sentimos, nem todos os “sins” e “nãos” têm de ser dados no imediato.
Se nos convidam para dar uma conferência, para liderar uma equipa ou um projeto novo, para uma viagem de amigos ou se até temos em cima da mesa uma importante decisão de vida a tomar, é fundamental tirarmos tempo para pesar as implicações que aquela decisão vai ter. E isto envolve quase sempre adiar a resposta. E dizê-lo de uma forma clara e sincera: “Vou pensar no que me propões e respondo em x dias.”
Neste tempo de paragem, devemos pesar as consequências que qualquer resposta possível vai ter no nosso ecossistema. Porque até um compromisso tão leve e divertido como “ir jogar ténis duas vezes por semana”, é um “sim” que implica muito mais do que a simples hora que lá vamos estar. (serão as duas horas semanais, mais o tempo de deslocação, o tempo para tomar banho e regressar ao trabalho, já almoçados – se o fazemos na hora do almoço-, as sapatilhas ou equipamento novo a comprar que sempre são uma despesa etc.).
Assim, mais do que tudo, este tempo torna-se também um tempo de crescimento pessoal, pois permite-nos avaliar os nossos dias e perceber se continuamos no caminho que nos propusemos seguir. - Aceitar o desconforto de dizer que “não” – agradar a toda a gente que nos rodeia é uma ideia tentadora, mas pouco realista. Aceitar que não conseguimos estar disponíveis para tudo e para todos, que nem todas as batalhas têm de passar por nós e que sempre haverá outro alguém que pode agarrar aquele projeto, é um exercício de humildade e de coragem, que muitas vezes não gostamos de fazer.
Dizer que não custa. E custa ainda mais quando dizemos que “não” a projetos ou desafios que nos parecem interessantes, que nos estimulam ou que nos dão algum tipo de projeção.
A necessidade de provar que somos capazes, o imediatismo de quão estimulante ou promissor um projeto parece no momento e a ideia do reconhecimento que nos vai dar podem levar-nos a avaliar mal o seu impacto a longo prazo nos nossos dias, fazendo-nos aceitar desafios mesmo quando já estamos demasiado sobrecarregados.
Sermos honestos connosco e avaliarmos o alinhamento daquela solicitação com os nossos objetivos de vida e com os nossos próprios limites, é o primeiro passo a dar para um “não” bem fundamentado, confiante e sem remorsos. - Comunicar o “não” de forma assertiva – dar uma resposta negativa a outro, começa por saber agradecer a oportunidade que nos estão a dar e o facto de se terem lembrado de nós.
Dar uma justificação sincera, por pequena que seja, ajuda também a que não se crie entre nós e o nosso interlocutor algum tipo de desconforto. E a que, eventualmente, se lembrem de nós numa próxima oportunidade.
O que nunca deve acontecer é fazermos ghosting (corte total e radical de toda a comunicação entre duas partes sem razão aparente ou aviso prévio) a quem nos convida, por mais pequeno ou insignificante que o convite ou o desafio nos possa parecer.|
Oferecer uma alternativa à nossa presença ou envolvimento naquela solicitação poder também ser uma forma de declinar um convite com uma tónica positiva. Pensar com antecedência se há algum contacto alternativo que possamos sugerir em nosso lugar e oferecermo-nos para fazer a ponte entre os dois é uma forma de ajudar que beneficia ambas as partes.
De evitar, como regra básica, oferecermos o tempo dos outros sem os questionarmos primeiro sobre a sua disponibilidade e sobre os seus “sins” e “nãos”. - Bom humor – os “nãos” não têm sempre de ser sofridos e carregados de culpa. Usar o humor (dentro de limites aceitáveis) para dizer que não e para decidir os nossos “nãos” ajuda a tornar a tomada de decisão mais fácil para nós e a aceitação mais fácil para os outros.
Recebi um dia uma resposta de uma amiga a um pedido de última hora que lhe fiz, que terminava da seguinte forma: “Só aceito pedidos de última hora se vierem com uma equipa de bombeiros para apagar o incêndio, mas sem isso, vou ter que dizer não!”
Impossível não aceitar esta resposta com uma boa gargalhada.
Voltando aos meus pensamentos e à expressão de Glennon Doyl, concluí naquela noite que é de facto, fundamental manter o foco naquilo que realmente importa a longo prazo, o nosso projeto e objetivos de vida, distribuindo “sins” e “nãos” de forma consciente, assertiva e com uma dose de bom humor, com a certeza de que só isto permitirá que o nosso tempo e energia sejam investidos de forma eficaz e com os resultados que queremos ver.
Só assim, talvez desapontando algumas pessoas pelo caminho, com os nossos “nãos” bem escolhidos, haverá tempo para o que é realmente importante, incluindo jantares de última hora em que pôr a conversa em dia, partilhar ideias e criar laços, dão o toque de felicidade e boa energia que contagia o resto da vida.