Em Portugal, os últimos “quartos de século” estão sempre associados a um desígnio que, claramente, os marca. Cada um desses marcos trouxe consigo desafios e oportunidades, moldando o país de diferentes maneiras, todas igualmente profundas.
Para não recuar mais, em 1975 a recém-nascente democracia borbulhava em força, vigor e desafios. A democratização surgia como oportunidade, ainda que não isenta de muitas dificuldades. Abril de 74 e novembro de 75 ofereceram um desígnio para Portugal: termos uma democracia ocidental, estável e tendencialmente europeia.
Em 2000, Portugal aderia à moeda única. A moeda sempre foi um símbolo forte de soberania e um alicerce das economias. A adesão ao euro foi vivida como uma oportunidade para fortalecer a economia e integrar plenamente o país na Comunidade europeia. Tal como 25 anos antes, de novo se descobria um novo horizonte, tornando a economia portuguesa mais aberta.
No entanto, ao nos aproximarmos de 2025, parece haver uma sensação de desorientação e falta de um desígnio claro para o futuro. Parte desta desorientação é, paradoxalmente ou talvez não, um bom sinal. A verdade é que temos uma democracia estável e uma economia mais próspera do que há cinquenta anos. Porém, como escreveu Raymond Aaron, “a civilização é frágil”. Muito frágil, mesmo. Pelo menos, mais frágil do que nós pensamos. As conquistas das últimas décadas não são sinal de uma História que progride sem cessar. A História é precisamente isso: uma história que se vai escrevendo. Não está escrita nas estrelas, em mapas de magos ou teses de doutoramento. Os progressos do passado não estão garantidos no futuro, passam sempre pela definição dada pela nossa liberdade.
É precisamente por isso que é excelente a tradição de fazer propósitos de Ano Novo, porque, em boa parte, o futuro depende de nós. A preocupação da falta de desígnio nacional para o próximo quarto de século é, na minha opinião, algo que nos deve despertar. A perda de sentido pode ser o resultado de vitórias passadas, mas, se não for revertida, é sempre o início de derrotas futuras.
Entretanto, – atenção! – ainda antes do novo ano, chega o Natal! E o Natal é uma época que sempre nos convida a refletir sobre a nossa própria humanidade e fragilidade. Mas também nos convida a refletir sobre valores fundamentais, como a esperança, a solidariedade e a abertura à mudança, ao “novo”. E estes valores podem ser uma bússola orientadora para nos aventurarmos no futuro e fazê-lo com confiança.
Em primeiro lugar, a esperança é um pilar fundamental para sonhar o futuro, a força motriz que nos impulsiona a acreditar num futuro melhor, mesmo ante um presente que se mostra inquietante. O nascimento de uma criança é sempre uma promessa de futuro. O nascimento do Menino Jesus, celebrado no Natal, é uma forte mensagem de esperança.
A mera consideração humana da história da Sagrada Família e das condições em que nasce o Menino, recorda-nos que, não obstante as dificuldades que enfrentamos, é possível que a vida nasça, que uma nova vida encontre o seu tempo e o seu espaço e gere uma onda de humanidade ao seu redor.
Na realidade, apesar desta Família não encontrar guarida na cidade e o nascimento acontecer na periferia de Belém, conta a tradição que muitos acorreram ao presépio, trazendo, cada um, algo para lhes oferecer. Uns eram pastores, outros magos. Cada qual entregou, generosamente, do que possuía e sabia faltar naquele lar. O Natal inspira este sentido de comunidade, desperta a solidariedade. A solicitude para resolver os problemas dos que nos são mais próximos ou dos grandes problemas do mundo pode, assim, ser uma segunda chave para encararmos os desafios coletivos e construir, em conjunto, um futuro mais justo, próspero e sustentável.
O Natal fala-nos ainda de novidade, de mudança, de uma nova vida à qual ninguém fica indiferente. O Natal inaugura uma nova época, onde a vida não se programa, mas dá-se.
Hoje, todos vivemos a magnitude e a velocidade da mudança. O “novo” surpreende-nos constantemente, no campo da tecnologia, da economia ou do cenário geopolítico, mas também nas aspirações pessoais. E perante o que é novo podemos ser tentados a argumentar que a sua volatilidade torna vã a sua mera consideração, ou que a sua complexidade e dimensões nos excedem, ou ainda que exige ponderação, tempo e calma. Porém, viver de costas voltadas para as questões e inquietações do nosso tempo não é normal, nem o que se espera de cada um. O novo afeta-nos e desafia-nos a não ficar indiferentes. Mas, talvez nos pudéssemos desafiar a ir ainda mais longe e perguntarmo-nos: como podemos ser, nós próprios, geradores e catalisadores da mudança?
Ao celebrar este Natal, a minha proposta é fazer uma pausa, refletir sobre o passado e renovar o compromisso com o futuro, com confiança e determinação. E, passados dias, incluir nos propósitos de Ano Novo, uma dose de sonho e ambição para os próximos anos. Como país, como seria bom marcar este quarto de século com um desígnio, uma ambição valiosa na sequência dos anteriores! Temos 365 dias para o definir e fazer acontecer. Vamos a isto?
Artigo publicado no Dean’s Corner do Jornal de Negócios >>