Inteligência Artificial – Como passar da prova de conceito?
A Inteligência Artificial está hoje presente na nossa mente. É uma tecnologia generalista, como a Eletricidade ou as Tecnologia de Informação e Comunicação, que terá alterações profundas na nossa sociedade, muitas das quais não conseguimos ainda antecipar. Há dias, em Davos, Marc Benioff, CEO da Salesforce, afirmou que os CEOs atuais serão os últimos a gerir uma força de trabalho totalmente humana.
De facto, individualmente ou nas nossas empresas, já quase todos experimentamos e até fizemos provas de conceito com Inteligência Artificial com sucesso. No entanto, estudos apontam que entre 80 e 90% das iniciativas de IA nunca ultrapassam a fase de prova de conceito . Andrew Ng, professor em Stanford e fundador da deeplearning.ai, afirma “All of Artificial Inteligence, not just healthcare, has a proof-of-concept-to-production gap”.
Diversos fatores contribuem para este resultado, incluindo fatores de natureza tecnológica, mas gostaria de destacar os três seguintes:
- Responsabilidade (“accountability”)
Os algoritmos de inteligência artificial são, naturalmente, inimputáveis. A responsabilidade está sempre com pessoas, individuais ou coletivas. Acontece que as iniciativas de inteligência artificial põem em causa a cadeia de responsabilidade. Normalmente, a iniciativa é liderada por cientistas de dados que pretende aplicar IA a um processo que tem responsáveis com experiência e contexto de negócio. A introdução de IA vai provocar uma transferência ou diluição da responsabilidade entre as duas áreas, processo que na maior parte das vezes não é confortável para nenhuma delas e que acaba por bloquear esse passo decisivo.
- Bits e moléculas, ou o custo das previsões falhadas
Os algoritmos de inteligência artificial fazem basicamente previsões sob a forma de bits. Acontece que esse resultado em bits pode ter um reflexo digital (por exemplo, as recomendações de conteúdos nas plataformas de streaming ou de sugestões de artigos a comprar num site de e-commerce) ou físico (um algoritmo de reaprovisionamento automático ou a decisão da gravidade do processamento de imagem de uma radiografia). O custo de uma previsão falhada é muito maior num caso no que no outro. Além disso, temos um viés em relação aos erros: toleramos mais os erros humanos que os erros de IA, mesmo que a sua precisão seja melhor.
- Industrialização
A limpeza e organização dos dados representa normalmente a maior parte do esforço numa iniciativa de Inteligência Artificial. Na fase da prova de conceito, este esforço é realizado de forma bastante manual pelo cientista de dados e não exige recursos computacionais significativos. Tudo isto muda na fase de colocação em produção. É necessário automatizar todo o processo de recolha e tratamentos dos dados, modificar os sistemas de informação existentes, e industrializar a componente computacional para treinar e executar os algoritmos em escala. Trata-se de um esforço multidisciplinar que exige a colaboração do cientista de dados com informáticos e que muitas vezes só é identificado e dimensionado após a prova de conceito.
Endereçar estes fatores é um desafio para a gestão. Talvez, mais do que nunca, possamos obter inspiração do Manifesto Agile , em especial, no seu primeiro valor:
“Pessoas e Interações mais do que Processos e Ferramentas”
No fundo, são pessoas que irão tomar as decisões sobre o desenho dos sistemas de Inteligência Artificial, considerando as seus anseios e motivações individuais. Estes sistemas irão alterar as suas responsabilidades e mudar significativamente a forma como interagem entre si. Começar pelas pessoas, dar atenção ao fator humano, seja dos colaboradores ou dos clientes, é provavelmente o principal ingrediente para o sucesso de uma iniciativa de Inteligência Artificial.
1) RAND Corporation. (2024). Overcoming barriers to AI adoption: Insights into project failures and successes. RAND Research Reports
2) Manifesto Agile
Tip of the week
“A interseção de disciplinas é onde a inovação mais disruptiva acontece.” Frans Johansson