Agostinho Abrunhosa
Professor de Operações, Inovação e Tecnologia, Secretário-Geral e Membro da Direção da AESE Business School
O agile entrou definitivamente no mundo da gestão e os exemplos são variados. Em setores tecnológicos vemos como a Amazon, Netflix ou a Spotify incorporaram métodos e técnicas agile numa ampla gama de iniciativas inovadoras. É um mindset de gestão e um conjunto de métodos assente na rapidez e autogestão de equipas focadas no valor e serviço ao cliente em coisas concretas.
Em setores mais tradicionais vimos como a John Deere que usou o agile para desenvolver equipamentos, ou a USAA para transformar o serviço ao cliente, o ING que transformou a forma de trabalhar de mais de 3.500 pessoas ou a Bosch que usou os princípios do agile para guiar a reformulação do negócio. A sua implementação tem de estar alinhada com a cultura, ser muito cuidadosa, vista caso a caso e não procurar receitas ou replicar só o que outros fizeram.
As razões do rápido crescimento são evidentes. Estudos nas áreas de estudos organizacionais, ciências da gestão e sistemas de informação mostraram que a agilidade é um fator chave no sucesso organizacional e com resultados positivos. Reduz a complexidade, melhora o alinhamento, promove a comunicação entre clientes e colaboradores e permite às organizações responder a oportunidades de mudança de formas eficientes e eficazes.
O agile procura libertar o espírito inovador tantas vezes abafado por procedimentos e burocracias, moldar o que é oferecido aos clientes e mudar a forma como se trabalha nas organizações. Se bem feito as equipas tornam-se mais criativas, os resultados chegam mais cedo e com menos custos. A área de aeronáutica da SAAB criou mais de 100 equipas agile em software, hardware e fuselagem para o projeto do jato Gripen, um dos mais complexos do mundo e que foi considerado um dos jatos militares com melhor rácio custo-benefício.
Os métodos agile ajudam as equipas a adaptar-se mais depressa à mudança, obter feedback mais interativo dos utilizadores integrando-o nos processos e em focar-se em criar valor diferencial. Estas capacidades são cada vez mais valiosas no contexto atual em que a incerteza e a mudança são hoje uma constante. O design organizacional está a passar da busca da eficiência para a flexibilidade.
As organizações agile atuam como uma rede de equipas que funcionam em ciclos rápidos de aprendizagem e decisão. As equipas são fluídas e projetadas para se focarem em necessidades end-to-end com uma liderança que orienta e facilita o trabalho.
Um pouco de história
O termo agile teve um grande impulso quando em 2001, e no boom do crescimento da internet, um conjunto de 17 profissionais, cansados dos métodos de programação tradicionais (vulgo desenvolvimento em cascata), criou um documento marcante: o Manifesto para o desenvolvimento agile de software (1). Este manifesto, que contém os princípios e boas práticas da metodologia, é considerado por muitos o centro do desenvolvimento agile.
Muitos trabalhos anteriores criaram as bases deste impulso e refiro alguns: Adaptative Software Development (E.A. Edmonds, 1974), Rapid application development (James Martin, 1991), Scrum (Ken Schwaber, Jeff Sutherland, 1995) e Adaptative Software Development (Jim Highsmith, Sam Bayer, 1995).
Em 2018 foi publicado na Forbes um artigo com o título “Why agile is eating the world” e que nos recorda o ensaio “Why software is eating the word” de Mac Andreessen de 2011 tantas vezes citado. Num estudo de 2018 descobriu-se que 85% dos programadores usavam técnicas agile no seu dia a dia.
Uma questão de mindset
O Manifesto criado em 2001 ajudou a trazer para o domínio público o mindset agile e, começando pelas áreas informáticas, rapidamente alastrou aos negócios. Os valores, princípios e metodologias começaram a guiar mudanças organizacionais e de liderança nalgumas empresas estabelecidas ou em criação.
Um mindset agile é muito mais que uma metodologia, processo, sistema ou estrutura organizacional. Em muitas empresas, a gestão agile é vista como uma resposta ao novo contexto. Uma característica central é entregar valor acrescido aos clientes. Como o Manifesto afirmava no seu primeiro princípio, “A maior prioridade é satisfazer o cliente.”
O foco do agile em satisfazer o cliente implica uma ideologia de capacitação, com confiança explícita nos talentos e capacidades de quem executa, junto com a crença de que se a organização fornece o ambiente, valores e objetivos certos, aqueles que fazem o trabalho normalmente entregarão valor e inovação contínuos aos utilizadores e clientes finais, gerando receitas. Lucros são visto como o resultado, não o objetivo.
Segundo o agile, uma organização como uma pirâmide de caixas de funções distorce o foco porque o ator mais importante – o cliente – está totalmente ausente desse modelo. Em contraste, a mentalidade agile, promove um relacionamento interativo entre o cliente, os gestores e quem faz. Com metodologias agile de avaliação a Adobe reduziu 30% do turnover e ganhou 80.000 horas/ano dos seus gestores.
Modelo cascata vs agile
A gestão de projetos clássica, que usa tipicamente o modelo de cascata, segue um modelo linear da preparação à execução e que se pode modelar em gráficos Gantt, bem conhecidos das aulas de operações. As fases iniciais, incluindo o planeamento focam-se na análise dos requisitos e estruturação, enquanto a fase de execução se foca em construir e entregar o pretendido. Embora esta abordagem tenha muitos méritos e é muito adequada em contextos estáveis, requisitos e necessidades de clientes claras, em ambientes dinâmicos e complexos este modelo tem limitações claras.
Os contextos e condições mudaram muito nos últimos anos, fruto da evolução tecnológica, da globalização, da mobilidade, do acesso à informação entre outras. Como resultado as expectativas e necessidades dos clientes são mais diversificadas e individualizadas, a sua literacia técnica aumentou muito, e as suas exigências crescem de ano para ano. A pressão aumenta ainda mais com a entrada continuada de novos players nos mercados, alguns já saturados, que procuram vingar adaptando-se melhor à evolução tecnológica ou ao contexto, identificando novas oportunidades, beneficiando da inércia dos incumbentes ou reguladores.
Todas as organizações têm de executar os seus processos, ser excelente nas suas operações, gerindo com eficiência, consumindo o mínimo de recursos, e eficácia, atingindo os resultados pretendidos. No entanto, devem ser também ambidextras, sendo capazes de fazer evoluir o negócio, introduzindo continuamente não apenas novos produtos e serviços, mas também novos processos e métodos, ou seja, devem ser excelentes também a inovar e aqui o agile pode ajudar.
No entanto, o agile pode não ser a melhor opção para todos os projetos, desenvolvimentos ou funções e a Stacey Matrix (2) pode ajudar a escolher a abordagem mais adequada:
Os projetos nas zonas entre ambos os extremos são especialmente apropriados para o uso de metodologias agile, porque as suas abordagens semiestruturadas ajudam a reduzir a complexidade enquanto deixam espaço para uma aprendizagem flexível e adaptativa num processo interativo.
Scrum
O scrum é um framework que é usado em mais de 60% dos projetos agile. Não é um processo linear, mas um conjunto de conceitos e técnicas. Segundo os seus fundadores a sua metodologia é um “Framework within people (3) can address complex adaptative problems, while productively and creatively delivering products of the highest possible value.” O scrum é baseado no empirismo e suportado pelos valores de compromisso, foco, abertura e respeito.
As equipas scrum incluem 3 papéis: product owner, development team e scrum master. A equipa auto-organiza-se, é multifuncional e decide como o incremento de produto é construído e tem entre 3 e 9 elementos. No coração do scrum está o sprint, que é o horizonte temporal em que a equipa entrega o resultado e leva entre 1 e 4 semanas, embora se privilegiem ciclos curtos.
O valor da gestão agile advém do aprender, do adaptar-se à mudança e da melhoria da performance com um objetivo importante: melhorar os produtos dando mais valor aos clientes. Conseguir isso é mais do que introduzir metodologias e pode implicar transformações organizacionais.
Não é uma panaceia prescrita pela gestão para gerar mais outputs, mas determina mudanças na cultura, nos processos, na organização, comunicação e em especial no mindset individual e das equipas. A melhor abordagem não é escolher o agile em lugar de outras abordagens de gestão, mas aprender quando, onde e como usá-lo em combinação com outras ferramentas. Isso é consistente com o que disse Aristóteles, há mais de 2.300 anos, de “finding the golden mean”.
(1) https://agilemanifesto.org/
(2) Stacey RD. Strategic management and organisational dynamics: the challenge of complexity. 3rd ed. Harlow: Prentice Hall, 2002.
(3) Jeff Sutherland e Ken Schwaber.
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