Todos queremos acreditar que 2021 será o ano da retoma da economia global. Depois de uma violenta queda em 2020 (PIB mundial – 4,4 %), as projeções são para um crescimento de 5,2 % em 2021. Mas, para chegarmos aos níveis de 2019, há que esperar algum tempo – alguns economistas estimam que tal aconteça não antes de meados de 2023.
Naturalmente que esta recuperação depende fortemente da evolução da pandemia e da maior ou menor agilidade no processo de vacinação. Também aqui o tempo é importante e por duas razões. Primeiro, à medida que se avança com a vacinação, o próprio processo vai-se tornando mais eficiente e, segundo, porque as vacinas que vão, entretanto, aparecendo no mercado são vacinas mais fáceis do ponto de vista logístico do que as pioneiras, permitindo simplificar e acelerar o próprio processo.
Provavelmente o aspeto mais crítico na recuperação face ao futuro que queremos criar é de que esta recuperação vai ser profundamente desigual em termos globais, económicos e sociais.
Em termos mundiais, as diferentes projeções para a recuperação têm sobretudo a ver com o cronograma de vacinação e a dimensão dos apoios estatais. As vacinas devem estar amplamente disponíveis nas denominadas economias avançadas e em alguns mercados emergentes até ao final do primeiro semestre deste ano, mas os países mais pobres poderão ter de esperar até 2022. Em relação aos apoios estatais, enquanto que nas economias avançadas, as medidas estatais de mitigação dos danos pela pandemia foram em média quase 13 % do PIB, com os empréstimos e garantias totalizando outros 12 % do PIB, nas economias emergentes esses valores correspondem a 4 % e 3 %, respetivamente, e ainda menos nos países mais pobres.
Em relação à economia, enquanto uns setores se mantiveram bem ou, tendo resistido, encontram-se prontos para seguir em frente e acelerar de novo, outros foram severamente afetados e não recuperarão nem rapida nem facilmente.
Por último, no que se refere às pessoas, a conjunção do efeito pandemia com a automação e a vasta aplicação da IA, levará à disrupção há muito anunciada, correspondente ao desaparecimento estimado de 85 milhões de empregos e ao surgimento de 90 milhões, sendo que nesta transição 50 % dos trabalhadores (fonte WEF) necessitarão de requalificação para continuarem ativos e essa aprendizagem, uma vez mais, necessita de tempo. Estima-se que 6 meses no mínimo, por colaborador.
Todos estes factos demonstram a necessidade de fazer mais, chegar a soluções integradas, colaborativas, que ultrapassem respostas pontuais, por muito boas que estas sejam. Exemplifico: se empresas existem (e são muitas) que têm recursos para formar, requalificar e melhorar as competências dos seus colaboradores fundamentais no futuro, assim como implementar medidas que os protegem de situações de carência económica, outras empresas haverá que, por razões várias, não têm essa capacidade, empurrando os seus colaboradores para situações de grande vulnerabilidade.
Uma segunda conclusão, mais profunda e ligada com a anterior, é de que esta é uma grande oportunidade para equacionar o papel do Estado mais além do estado de bem-estar no sentido de um Estado que governa, cria valor e gere o investimento público com base em missões de interesse público.
Mariana Mazzucato, Economista reconhecida mundialmente, fundadora do UCL Institute for Innovation and Public Purpose, estará na AESE em março, para uma das sessões do itinerário 40 anos preparado pelo Agrupamento de Alumni com o objetivo de debater uma Nova Economia para o Mundo e a Humanidade. Mazzucato defende o conceito do “Propósito Público”, comparando a necessidade de projetos abrangentes e visionários a nível mundial com o programa Apollo 11, Moonshot, que colocou o homem na Lua ou o Perseverance que aterrou em Marte há poucos dias. Em comum com estes projetos, as missões que supõem investimento público requerem uma liderança audaz e visionária para “pensar grande e crescer”.
Uma abordagem de governo mission-driven pressupõe traçar a direção e orientações para a mudança, articulando o esforço de investimento e inovação exigido em diferentes setores para o cumprimento da missão. Tal como o programa Apollo o fez, estimulando a inovação em aeronáutica, nutrição, tecnologia dos materiais, eletrónica, software e muitas outras áreas.
O exemplo da vacina para o COVID-19 é elucidativo. O talento coletivo e a abordagem muito orientada a resultados que suportou a pesquisa e o desenvolvimento de vacinas durante o ano passado lembra em muito o programa Apollo. Assim, foram criadas e testadas em tempo record várias vacinas seguras e eficazes, recorrendo a parcerias público-privadas, sendo que o investimento público se mostrou absolutamente crucial. Mas a disparidade na aquisição de vacinas entre países com diferente capacidade económica logo se revelou, inibindo uma solução mundial satisfatória.
Este exemplo comprova que os avanços tecnológicos embora possam fornecer novas ferramentas, não são necessariamente a solução. Num projeto desta dimensão e complexidade, a inovação tecnológica é tão útil quanto a sua aplicação no mundo real. A tecnologia de per si nunca resolverá os problemas sociais e económicos. Aplicar o princípio do moonshot aos desafios complexos com que nos confrontamos aqui na terra, implica ter em atenção um conjunto de outros fatores sociais, políticos, tecnológicos e comportamentais e estabelecer uma missão comum, elevada, inspiradora e desafiante, que congregue toda a sociedade civil, empresas e instituições públicas. Missões como “o oceano sem plástico”, “um país verde” ou “a inclusão digital” potenciam um enorme envolvimento cívico e podem constituir-se como verdadeiros motores de crescimento sustentável.
Concluindo, temos boas notícias: algumas vacinas de elevada eficácia já estão disponíveis, a resposta monetária e fiscal maciça estendeu uma ponte em direção ao tão esperado fim da pandemia e todos aprendemos a melhor conviver com o vírus. Excelentes notícias seriam se todos nós, as empresas e as instituições fossemos capazes de pensar grande, mais além de nós mesmos, e, colaborando, crescer, sem deixar ninguém, nem nenhuma família excluída.
Artigo publicado no Jornal de Negócios
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