A Península Ibérica é a região com maior potencial renovável da Europa, diz Pedro Amaral Jorge, presidente da Associação Portuguesa de Energias Renováveis – sobretudo agora que a energia solar começa a tornar-se a fonte mais barata.
Durante muito tempo, a energia eólica teve um enorme crescimento. Mas os anos 2020 serão a década da fotovoltaica. “Há dez anos, tínhamos painéis de 120, 150 watts por metro quadrado e hoje estamos nos 450, 500, 600 watts, pelo que, com a mesma área, transformamos a mesma radiação solar em mais eletricidade”, justifica o presidente da Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN). Mas Pedro Amaral Jorge reivindica mais incentivos e crédito ao consumo, para que as pessoas com menos recursos possam comprar painéis para as suas casas.
A central a carvão de Sines fechou em janeiro, a do Pego fecha até ao final do ano. 2021 é um ano simbólico na transição energética?
O fim do carvão faz todo o sentido. Não há viabilidade económica em produzir eletricidade a carvão, além de não haver qualquer viabilidade ambiental. O preço da eletricidade renovável, eólica e fotovoltaica, anda abaixo dos €30 por MW/h. O carvão não consegue competir no mercado, ainda para mais incorporando o preço da tonelada de CO2: ontem [4 de fevereiro], batemos os €40, quando há um ano e meio andávamos nos €16 ou 17 euros. Isto significa que, cada vez que se emite uma tonelada de CO2, tem de se pagar, e justificadamente, 40 euros.
Em 2019, as alterações climáticas eram o tema central do debate mediático, e deixaram de ser. A Covid-19 travou os investimentos nas renováveis?
Não só não travou como as renováveis são um dos pilares da saída da recessão provocada pela Covid. Dos €1,8 biliões disponibilizados pela União Europeia, 30% serão dedicados ao combate às alterações climáticas e à neutralidade climática, sendo que a transição energética é o primeiro vetor de descarbonização.
A energia fotovoltaica parece ter crescido timidamente nos últimos 20 anos, apesar de Portugal ser um país de sol. Porquê?
Há dez, 12 anos, o LCOE (levelized cost of electricity) do fotovoltaico estava na casa dos €380 por MW/h. Portugal apostou inicialmente nas eólicas, porque estas tinham um LCOE à volta dos €100, tornando a sua massificação mais apetecível. Mas, nos últimos dez anos, aconteceram duas coisas: primeiro, aumentou a eficiência do fotovoltaico – há dez anos, tínhamos painéis de 120, 150 watts por metro quadrado e hoje estamos nos 500, 600 watts, pelo que transformamos a mesma radiação solar em mais eletricidade; segundo, o equipamento ficou muito mais barato. Portanto, só começámos a olhar para a implementação massiva do fotovoltaico nos últimos dois anos, quando a sua curva chegou aos €20 ou €30 por MW/h. Daqui para a frente, a solar será a fonte de energia mais barata, seguida da eólica. Mas uma não substitui a outra: elas são complementares, porque normalmente quando há muito sol há pouco vento, e vice-versa.
A geração de energia nas cidades tem vantagens, uma vez que leva a menos perdas na distribuição. Porque é que ainda não vemos os telhados dos edifícios cobertos de painéis?
Já temos muitos telhados com painéis. O problema é que, num prédio de dez andares, a área de cobertura não é suficiente para abastecer na íntegra o consumo do edifício. A produção fotovoltaica distribuída vai acontecer em polígonos industriais, agrícolas e comerciais, e edifícios da administração pública, além de residências unifamiliares e prédios de três ou quatro andares, onde as áreas de cobertura são suficientemente grandes para o consumo. Mas vai ser uma tendência. Eu, por exemplo, estou a fazer um investimento para pôr painéis fotovoltaicos em casa, uma vez que tenho tudo elétrico, exceto o fogão. Há que criar incentivos para as famílias terem acesso à aquisição dos equipamentos, sobretudo as mais carenciadas.
Porque é que não podemos comprar painéis como compramos um carro? Sendo que, do ponto de vista do investimento, o carro não se paga a si próprio, e os painéis, sim.
Tenho a mesma dúvida. Talvez seja porque não temos um mercado de segunda mão dos painéis. O passo que falta para financiar um painel é assegurar que os equipamentos têm um valor secundário. E o sistema financeiro tem, aqui, uma oportunidade: devia aumentar a oferta de crédito para painéis solares, até porque as pessoas deixam de pagar eletricidade e podem pagar o equipamento a prestações.
Há preocupações com o fim de vida dos painéis. Podemos garantir um desmantelamento sustentável dos equipamentos, ou daqui a 20 anos vamos ter milhares de toneladas de painéis em aterros?
A economia circular já impede a deposição em aterro desses materiais, que têm de ser reutilizados. Mas ainda estamos longe disso. Se calhar, os primeiros que podemos reutilizar são aqueles de 2007 e 2008 do primeiro programa de microgeração. Portugal já está a incorporar as diretivas da Comissão Europeia que obrigam ao reaproveitamento desses materiais.
Está previsto um grande aumento da capacidade instalada de energia eólica. Mas a eólica offshore, no mar, ainda não é viável a grande escala…
A eólica offshore já é viável, Portugal é que não tem condições de ter estacas presas aos aerogeradores [devido à profundidade da plataforma continental]. Mas pode disponibilizar um sistema floating, de fixação em flutuação das turbinas eólicas.
Já há um projeto.
Sim, o Windfloat, de 24 MW. Os flutuadores só são mais caros porque ainda não têm economia de escala. Quando industrializarmos a manufatura destes equipamentos, acontecerá o mesmo do que com o fotovoltaico. A minha expectativa é a de que os 300 MW previstos no Plano Nacional de Energia e Clima [PNEC] para o eólico offshore em 2030 passem, pelo menos, para 700 MW ou mesmo 1 GW. O offshore, aliás, tem tido uma queda acentuada do LCOE, até porque no mar temos mais horas de funcionamento por ano do que onshore [em terra], pelo que a unidade de eletricidade fica mais barata.
Ainda assim, a maior fatia será o onshore. Como vamos crescer de 5,2 GW para 9 GW nesta década? Teremos de construir muitos mais parques eólicos, quando o território já começa a ficar saturado?
O que está previsto no PNEC é que haja uma substituição de turbinas por outras mais eficientes, nos parques já existentes. Provavelmente, vamos ter menos turbinas do que hoje nos parques, porque estas têm maior capacidade.
Que medidas têm sido aplicadas para reduzir o impacto das eólicas nos ecossistemas, sobretudo nas aves e nos morcegos?
Portugal já tem muitos casos de sucesso na preservação das espécies. Temos servido de exemplo.
Conseguimos impedir que as aves morram nas hélices?
Não conseguimos evitar que as aves, de vez em quando, tenham um acidente. O que conseguimos é criar as condições em torno dos parques eólicos para, pelo menos, garantir a estabilidade das populações dos animais. A nossa preocupação não é com um elemento individual – apesar de a morte de uma ave ser uma lástima –, mas com a preservação das espécies.
Qual a importância para Portugal da abertura das interligações entre a Península Ibérica e França?
A interligação elétrica é fundamental. A região europeia com maior potencial renovável é a Ibéria: tem, de longe, o maior potencial solar e o terceiro eólico. Portanto, Portugal e Espanha podem produzir eletricidade para o resto da Europa: como temos, no inverno, mais horas de radiação solar, podemos produzir eletricidade que é escoada para o mercado europeu. E, para que isso esteja em equilíbrio, temos de aumentar a capacidade das interligações entre a Península Ibérica e França. É um problema que tem de ser resolvido ao nível da Comissão Europeia.
E acredita que acontecerá a curto prazo?
Não sei se a curto prazo, mas estou otimista de que acontecerá até 2030.
Entrevista feita pelo jornalista Luís Ribeiro e publicada na Visão
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