AESE insight #38 - AESE Business School - Formação de Executivos

AESE insight

AESE insight

AESE insight #37 > Thinking ahead

Desafios do presente e desafios do futuro (Parte 1): A Dívida

Diogo Ribeiro Santos

Professor de Finanças na AESE

Estamos muito focados no presente, na conjuntura. Geralmente, tendemos a olhar para os desafios do presente com uma lente que lhes aumenta a importância. Pelo contrário, sofremos de miopia quando encaramos os desafios do futuro. A nossa visão telescópica defeituosa, na célebre expressão de Pigou, projecta-os demasiado longe, e descontamos-lhes a importância. É certo que, como escreveu Carl Menger, o economista fundador da escola austríaca, precisamos do presente para chegar ao futuro. Mas os desafios do futuro estão já bem presentes.

    1. Desafios do presente

O presente e o curto prazo estão dominados pelas expectativas de saída da crise e pelo endividamento bancário e as moratórias de crédito. O sentimento geral das empresas parece ser de expectativa prudente e de adaptação. Segundo dados do Banco de Portugal, 74% das empresas planeiam manter os postos de trabalho em 2021. 59% consideram muito provável a redução do número de viagens de negócios e 31% o uso mais intensivo do teletrabalho[1].

O sentimento é mais de incerteza que de pessimismo, quando se confrontam dois cenários opostos relativos à pandemia. Assumindo que a pandemia é efectivamente controlada em 2021, 62% das empresas não conseguem antecipar se o seu volume de negócios voltará ou não ao nível normal; 34% consideram que a actividade voltará ao normal num intervalo médio de 9,8 meses; e 4% não prevêem o retorno ao nível normal. Num cenário mais negativo, de agravamento das medidas de contenção da pandemia e de ausência de medidas adicionais de apoio, 84% das empresas não prevêem o encerramento, mas 16% das empresas estimam não conseguir subsistir, em média, mais de 7 meses num tal cenário.

Unidade: n.º de empresas ou de particulares[2][3] Empresas Particulares Total
Potenciais endividados 1.335.006 8.424.599 9.759.605
Endividados 241.071 4.636.364 4.877.435
Em % dos potenciais endividados 18,1% 55,0% 50,0%
Devedores em moratória 54.000 408.000 462.000
Em % dos endividados 22,4% 8,8% 9,5%
Em % dos potenciais endividados 4,0% 4,8% 4,7%
Unidade: milhares de milhões de euros (MM€)
Total da dívida bancária 72,3 124,2 196,5
Dívida em moratória 24,0 20,0 44,0
Em % do total da dívida bancária 33,2% 16,1% 22,4%

Tabela 1. Fonte: Dados do Banco de Portugal (Janeiro de 2021) e Pordata.

A tabela demonstra que o endividamento é muito menos disseminado do que se poderia pensar. Por essa razão, os devedores em moratória representam uma proporção muito reduzida dos particulares e das empresas (4,7%). Os particulares estão comparativamente mais endividados do que as empresas, seja em percentagem (55%), seja no montante da dívida. Contudo, o potencial incumprimento por parte das empresas é mais preocupante. A dívida em moratória das empresas representa um terço da dívida empresarial, e a insolvência das empresas pode criar problemas de tesouraria a outras empresas e reduzir drasticamente os rendimentos dos colaboradores, que ficariam impossibilitados de servir as suas dívidas. Acresce que não foram apenas as PME a ser afectadas. Aderiram à moratória cerca de 400 grandes empresas (30% das 1.357 existentes), cuja dívida ascende a 3,9 MM€. Existe um risco razoável de um efeito “bola de neve”.

Crédito à habitação Jan-21
N.º de créditos à habitação 2.118.182
N.º de devedores em moratória por crédito à habitação 302.900
Em % do n.º de créditos à habitação 14,3%
Em % do n.º total de devedores em moratória 74,2%
Saldo em dívida (MM€)
Total do crédito à habitação 96,3
Em moratória 17,1
Em % do total do crédito à habitação 17,8%
Em % do crédito em moratória 85,7%

Tabela 2: Dados do Banco de Portugal (Janeiro de 2021)

O endividamento dos particulares suscita alguma preocupação, visto que o crédito à habitação, garantido pelo valor dos imóveis, é apenas uma fracção do total (74,2% em n.º de devedores e 85,7% em valor). Num cenário em que os preços do imobiliário não desçam abruptamente, seria relativamente simples acomodar a restruturação deste crédito. É um sinal positivo que 86 mil devedores (21% do total) tenham já retomado o pagamento dos créditos à habitação. Contudo, existem 2,9 MM€ de outros créditos particulares em moratória, o que pode afectar os segmentos de crédito ao consumo, crédito estudantil e crédito automóvel.

As partes envolvidas têm os incentivos adequados para restruturar a dívida e evitar o incumprimento definitivo. Não interessa aos bancos acumular grandes volumes de crédito mal-parado, que obrigariam a constituir provisões, penalizadoras da rendibilidade e dos rácios de capital. Tampouco lhes interessará voltar a gerir 300 mil imóveis entregues como dação em pagamento dos empréstimos. Por outro lado, a dívida das empresas está garantida, na maior parte dos casos, com o património pessoal do empresário, o que desaconselha a opção de deixar falir a empresa e “abrir outra ao lado”. A reestruturação pode efectuar-se, para empresas e particulares, por extensão das maturidades e introdução de períodos de carência de capital. Apenas nos casos mais extremos – aquisição de empresas em dificuldades e processos especiais de revitalização e insolvência é que serão inevitáveis os descontos (hair-cuts) nos empréstimos, a coroa de glória de muitos compradores de empresas e empresários em dificuldades.

As
palavras cautelosas proferidas presidente da Associação Portuguesa de Bancos na audição parlamentar, com referências a «esforço musculado do Estado», «soluções de subsídios a fundo perdido» e «capitalização das empresas com garantia do Estado» não são um bom sinal. É certo que os últimos anos foram penalizantes para a banca, que é insusbtituível no financiamento da economia. Mas, os exemplos mais ou menos recentes de transferência do risco bancário para o Estado e de utilização de dinheiro público para resolver problemas de crédito bancário, com o inevitável encorajamento do risco moral, não foram felizes e não deveriam repetir-se. A título positivo, note-se que a esmagadora maioria das empresas ainda possui capacidade de endividamento, que pode utilizar para financiar o seu crescimento.

    O mesmo não pode dizer-se da capacidade de financiamento do Estado. A Tabela 3 demonstra que, se a dívida pública esteve relativamente estabilizada até 2020 – crescendo pouco em valor absoluto e descrescendo em proporção do PIB – esse cenário alterou-se no ano transacto. O aumento da dívida, em 20, MM€, foi quase o dobro da quebra do PIB (11,5 MM€). Está o Estado a adiantar à sociedade o financiamento da bazooka europeia? A ser assim, quanto sobra do que está para vir?


    Dívida Pública e PIB 2016 2017 2018 2019 2020 2021
    Dívida Pública (MM€) 245,24 247,17 249,26 249,98 270,49 275,98
    Dívida Pública em % do PIB 131,5% 126,1% 121,5% 116,8% 133,6% 131,2%
    PIB (MM€) 186,49 195,95 205,18 213,95 202,47 210,36
    Crescimento nominal do PIB 3,8% 5,1% 4,7% 4,3% -5,4% 3,9%

    Tabela 3: Pordata, INE e Banco de Portugal (previsão de crescimento do PIB em 2021).


    Se a sociedade quiser confiar ao Estado o papel de motor do desenvovimento, a reduzida capacidade de financiamento do Estado parece condenar-nos ao crescimento anémico dos últimos anos, insuficiente para nos fazer convergir com as economias mais avançadas da OCDE. Parece que é nas empresas portuguesas, e na capacidade de os seus empresários e gestores assumirem risco, que assentam as nossas melhores hipóteses de crescimento.



    [1] Banco de Portugal e INE (Novembro de 2020). Inquérito Rápido e Excecional às Empresas – COVID-19.

    [2] O universo dos potenciais endividados particulares é a população portuguesa com mais de 19 anos.

    [3] “Endividados” são todas as empresas e particulares que têm, pelo menos, um empréstimo bancário, sendo frequentes os casos em que existe mais do que um.

    Outros artigos da edição de 13 de maio do AESE insight

    Decidir eticamente em contexto de incerteza: duvidar e refletir

    Marta Lince Faria , Professora de Fator Humano na Organização e de Microeconomia na AESE Business School, Cátedra de Ética da Empresa e na Sociedade AESE / EDP

    Protocolo Familiar: tiempos y decisiones

    Rafael de Lecea, Professor da área de Política de Empresa na AESE Business School, na Fundación Bravo Murillo, no Instituto Internacional San Telmo e na Universidad Carlos III

    Working remotely two to three days a week, the best option

    Mireia Las Heras, Maria Barraza, Júlia Gifra, Charo Sáez e Leyre Octavio de Toledo, IESE Insight

    How Blockchain Can Simplify Partnerships

    Fabrice Lumineau, Wenqian Wang, Oliver Schilke, and Laura Huang, Harvard Business Review

    COVID-19’s impact on the media, in 10 charts

    Damian Radcliffe, Whats New in Publishing

    Crisis could be the mother of reinvention for business schools

    Andrew Hill, Financial Times

    Próximos programas de formação

    Programa online de formação diretiva (DEEP)

    Inscrições a decorrer para a 2.ª edição, com início a 17 de maio 2021

    Hospital Business Enhancement (HBE)

    Inscrições a decorrer para a 3.ª edição, com início a 31 de maio 2021

    Executive MBA AESE

    Inscrições a decorrer para a 21.ª edição, early bird até 31 de maio 2021

    2024 Copyright AESE Business School :: Todos os direitos reservados :: Usamos cookies para darmos a melhor experiência no nosso site. Ao continuar a sua navegação iremos assumir que não tem nenhuma objeção com a utilização de cookies.
    2024 Copyright AESE Business School :: Todos os direitos reservados :: Usamos cookies para darmos a melhor experiência no nosso site. Ao continuar a sua navegação iremos assumir que não tem nenhuma objeção com a utilização de cookies.