Nestes prolongados meses de pandemia, as pessoas viveram experiências diferentes que ou vão passar à memória ou, pelo contrário, vão introduzir mudanças duradouras no consumo que se irão identificando, aos poucos, embora algumas realidades já comecem a ser evidentes. Uma das experiências relevantes originadas pela COVID-19 teve a ver com a agenda das pessoas, obrigando-as a uma paragem forçosa na sua atividade, implicando um modo diferente de usar o tempo, como kronos, e proporcionando a oportunidade de pensar, uma disponibilidade pouco frequente em muitos, que as levou a procurarem compreender melhor o que estava a acontecer, a dimensão kairosdo tempo, quem eram, o seu contexto pessoal e familiar, os seus problemas, que soluções desenvolver, etc.
O consumidor de vinho na pandemia sofisticou-se internacionalmente
A possibilidade de tomar as refeições em casa, sem correrias, com mais convívio, suscitou uma escolha mais cuidada do vinho, trouxe uma ‘necessidade’ de um consumo mais qualificado, que foi resolvida por uma compra de produtos mais caros como verificaram os observadores independentes. Reconhecendo que o mercado português é relativamente pequeno neste âmbito para se confirmar esta hipótese, foi nas exportações de vinho português que se mediu essa realidade pelo seu crescimento de 19% em valor e 15% em quantidade, o que se explica porque “as pessoas não queriam passar muito tempo nas lojas, apostavam nos valores seguros e, por isso, refugiaram-se no vinho português por uma questão de confiança e porque têm uma excelente relação qualidade-preço “, explicou, Frederico Falcão, Presidente da ViniPortugal, – Associação Interprofissional que promove internacionalmente os nossos vinhos.
De facto, a ViniPortugal, revelou que estes dois aumentos no primeiro semestre de 2021, em relação a 2020, representam ainda uma subida de 9,2%, em valor, em relação a 2019, e traduzem uma subida de 4,2% no preço médio, uma tendência dos últimos anos e uma necessidade imperiosa para o ecossistema da vinha e do vinho português. Note-se, por exemplo, que o mesmo ocorreu no Alentejo onde, com dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), “as exportações de vinho alentejano cresceram 20% em valor, com 32 milhões de euros de receita gerada”, com 14% em volume, nos primeiros seis meses deste ano.
Em Portugal, esta realidade teve uma outra face, negativa, que a confirma, porque as marcas que dependiam mais da restauração ou da compra por impulso na grande distribuição tiveram quebras elevadas, da ordem dos 80% na região dos Vinhos Verdes, e acentuando clivagens, na mesma região outras empresas tiveram 20% de crescimento nas receitas com um mix de produtos com preço médio mais caro.
A outra dimensão do tempo do consumidor, o kairos
No contexto da paragem pandémica, os consumidores viveram um tempo muito especial, marcado pela experiência contrastante de um tempo mais relaxado, mas em circunstâncias, por vezes dramáticas, que trouxeram uma nova sensibilidade para os problemas da sociedade – da humanidade! As pessoas, mais do que os simples consumidores ou clientes, tiveram tempo para ler com mais atenção os rótulos, consideraram mais a sério os efeitos das alterações climáticas nas suas compras e, por último, tiveram mais tempo para analisar as promessas e comportamentos das várias empresas, sobre os seus esforços de diminuir a pegada carbónica, de reduzir a utilização de plásticos, de contribuir para causas sociais, etc., validando ou não as suas preferências.
Em paralelo com estas preocupações, avivadas por algumas catástrofes naturais recentes, as apostas da União Europeia no Green Deal e as suas imposições, nos PRR, Programas de Resiliência e Recuperação para incluírem uma percentagem mínima, da ordem dos 25%, nas áreas da transição climática, apontam mais uma mudança duradoura na sociedade e na economia, sendo impossível ficar indiferente por mais cético que se seja, à constante referência a estas realidades em todas as plataformas mediáticas.
Esta mudança de disposições constata-se, por exemplo, no estudo da PwC Global de Insights do Consumidor: em 2019, apenas 35% dos entrevistados disseram que escolheram produtos sustentáveis para ajudar a proteger o meio ambiente, 37% disseram que procuraram produtos com embalagens ecologicamente corretas e 41% disseram que evitavam o uso de plástico quando podiam, mas os resultados do mesmo estudo de 2021 mostram percentagens de dez a 20 pontos maiores em resposta a perguntas formuladas de forma semelhante. Outro estudo da Visual GPS, em conjunto com a empresa de estudos de mercado YouGov, descobriu que 81% das pessoas entrevistadas esperam que as empresas sejam ambientalmente conscientes na sua publicidade e comunicações, e 69% dos entrevistados disseram que estão fazendo tudo o que é possível para minimizar sua pegada de carbono (contra 63% apenas um ano antes).
Consequências desta dimensão verde no consumo do vinho
Dentro dos padrões tradicionais de consumo mais exigente de vinho, poderia parecer, numa visão imediata, que não haverá consequências de relevo destas experiências identificadas nos mercados ao longo destes 18 meses, mas constatam-se tendências que apontam em sentido contrário.
As embalagens
No caso dos consumidores portugueses, prevê-se que se verifiquem mudanças na sequência da aceitação do BiB, bag in box, obrigatório na Escandinávia, por exemplo, para produtos mais qualificados, e porque estão a responder ao desafio da lata de alumínio, por exemplo nos Vinhos Verdes, onde seria mais natural, mas também no Portonic, uma bebida à base de Vinho do Porto que várias casas muito respeitáveis lançaram com a bênção do IVDP, Instituto do Vinho do Douro e Porto. E não será irrelevante considerar a quantidade de produtores portugueses que, neste verão, lançaram vinho em lata – Adega Mãe, Borges, Sogrape, Quinta da Lixa, etc.- um deles em parceria com a Lidl, para potenciar a venda com o sublinhado ecológico.
Uma muito recente publicação da Agrogés, refere que a pegada carbónica do vinho corresponde em cerca de 50% à embalagem e ao transporte, e 30% vem da garrafa de vidro, o que aponta para mudanças, a começar nos mercados internacionais, como acontece nos Estados Unidos. No melhor mercado de exportação para o vinho português, há poucos tópicos mais “trendy” do que discutir o vinho em lata, que cresce há vários anos a dois dígitos no mercado. O vinho em lata em gamas elevadas é mais frequente nos EUA, como afirmou o CEO da Amorim Cork, António Amorim, líder mundial no fornecimento de rolhas de cortiça para vinhos, num evento CV3, Criar Valor na Vinha e no Vinho, da AESE, dando o exemplo dos vinhos das Wineries Family Coppola com as latas de Sofia (em homenagem à sua filha única), com quase 20 anos no mercado.
Os produtos biológicos
Os produtos biológicos que começam a impor-se nas prateleiras, são uma outra forma de resolver essa maior sensibilidade para o seu consumo que os produtores portugueses de vinhos já estão a oferecer: na garrafeira do El Corte Ingles, uma referência habitual para quem procura melhores vinhos, já se oferecem 65 produtos com um preço médio de 14,63€ e máximo e mínimo de 76,90€ e 4,95€, respetivamente. É que os próprios produtores já estão afetados pelas alterações climáticas que estão a impor o início da vindima cada vez mais cedo, a condicionar a disponibilidade e preço da água, e a experimentar alguns eventos extremos. Como resposta, a região do Alentejo é pioneira, porque desenvolveu uma certificação regional das empresas para a produção sustentável, mobilizada pelo trabalho de vários produtores e, também, pela experiência de várias décadas do Esporão, um dos maiores produtores de vinho biológico do mundo.
Neste contexto complexo, quem tem de formatar, agora, a sua paragem estratégica são os diferentes atores do ecossistema da vinha e do vinho para desenhar estratégias que fidelizem estes novos clientes aos melhores e mais caros produtos, sabendo que eles também vão experimentar produtos estrangeiros e vão ser mais exigentes na experiência.
Outros artigos da edição de 14 de outubro do AESE insight
Construir o Futuro faz sentido?
Pedro Alvito, Professor de Política de Empresa da AESE Business School e Diretor do Programa “Construir o Futuro nas Empresas Familiares”
Competências distintivas de um país?
Eugenio Viassa Monteiro, Professor de Fator Humano na I.I.M.Rohtak (India)
What is the environmental impact of hydraulic fracturing?
Pietro Bonetti of IESE, Christian Leuz of the University of Chicago Booth School of Business and Giovanna Michelon of the University of Bristolm, IESE insight
6 Strategies for Leading Through Uncertainty
Rebecca Zucker and Darin Rowell, Harvard Business Review