Agostinho Abrunhosa
Professor de Operações, Inovação e Tecnologia, Secretário-Geral e Membro da Direção da AESE Business School
Disrupção, tecnologias disruptivas e inovações disruptivas são termos usados indistintamente e isso leva, em geral, à ambiguidade e à confusão. Há um uso excessivo da palavra disrupção que é muitas vezes usada com o significado de “muito, grande[1]” e radical.
Segundo Christensen (1997)[2], as tecnologias disruptivas são tipicamente inovações em tecnologia, enquanto as inovações disruptivas mudam radicalmente mercados e essa é a principal diferença: as consequências destas últimas e as ameaças que representam, ou podem representar, têm um impacto maior e são sentidas mais profundamente e por mais pessoas.
Tecnologias e inovações disruptivas
Uma tecnologia é considerada disruptiva quando afeta um modelo de negócio existente e/ou os valores centrais da organização onde a tecnologia será implementada. As tecnologias ou inovações disruptivas não aparecem repentinamente ou no vácuo. São o resultado da evolução das necessidades dos clientes ou de uma necessidade significativa de mudança.
Por exemplo, no final do século 18 os feriados foram introduzidos em muitos países. Operários fabris e de serviços tinham mais tempo para atividades de lazer, como ir à praia ou ao campo, mas muitas vezes não tinham como comprar o seu próprio meio de transporte. Ao mesmo tempo, à medida que as cidades cresciam e o comércio se desenvolvia entre cidades e países, novas e mais eficientes formas de transportar mercadorias e pessoas para o trabalho ou para os destinos de férias tiveram que ser inventadas: navios a vapor, charretes e comboios.
Quando, em 1885, foi inventado o automóvel Benz, foi inicialmente considerado uma inovação tecnológica revolucionária, mas ainda não era uma inovação disruptiva, porque apenas os ricos tinham hipótese de comprar carros. Demorou anos até que a indústria automobilística criasse a disrupção no negócio das carruagens puxadas por cavalos. Diz-se que a inovação disruptiva só aconteceu com a introdução da linha de montagem do Modelo T da Ford que permitiu a massificação do automóvel. Alguns perderam seus empregos, outros aprenderam um novo ofício (como ser motorista) e novos empregos foram criados (mecânicos, etc.).
Anos antes os comboios foram os primeiros a criar a disrupção, pois tornaram-se o meio de transporte preferido dos mais pobres: eram rápidos, relativamente seguros e acessíveis. Para responder a essa nova onda de turistas, começaram a surgir hotéis, pousadas, piscinas, cafés e restaurantes. Os mais ricos compraram terras e construíram casas de férias, o que por sua vez ajudou a criar e desenvolver o imobiliário.
Tecnologia como enabler dos modelos de negócio e da evolução
Christensen defendeu no livro The Innovator’s Solution (2003)[3] que raramente é a tecnologia em si que é intrinsecamente disruptiva, mas sim o modelo de negócio que a tecnologia permite que cria o impacto disruptivo. Por outras palavras, são os usos que as empresas ou pessoas fazem dela e as demais inovações que a tecnologia permite realizar. É também o uso que as pessoas fazem da tecnologia que muitas vezes parece desencadear o declínio de um produto ou serviço.
Um exemplo clássico foi a comercialização do modelo 914 da Xerox explicado por Chesbrough e Rosenbloom (2002)[4] em que o que fez a diferença não foi a tecnologia, que tinha um custo elevado na compra, mas um modelo de leasing com uma mensalidade aceitável para o cliente. Havia valor potencial na tecnologia e o que marcou foi a forma de fazer chegar esse valor ao cliente. Sabe-se que tecnologias que não vingam num certo modelo podem explodir noutro. Um artigo que recomendo a quem se interessa por estes temas.
A invenção da impressora por Gutenberg no século 15 foi uma tecnologia disruptiva antes de se tornar uma inovação disruptiva. Gradualmente, tornou obsoleta a cópia manual de manuscritos e começaram a surgir novos trabalhos, por ex. impressora de tipo móvel, à medida que esta indústria se desenvolvia, melhorava e expandia.
Hoje os telemóveis substituíram os telefones fixos e os e-mails são enviados em vez das cartas. Os telefones públicos desapareceram das ruas e os correios ou bibliotecas públicas tiveram que repensar seus serviços e modelos de negócio. Outro ponto importante que vale a pena mencionar é que certos elementos particulares de uma mudança tecnológica podem ser mais ou menos perturbadores e o nível de perturbação pode diferir e impactar em maior ou menor extensão diferentes/áreas específicas, dentro de vários períodos, mais curtos ou mais longos.
A teoria do atraso cultural de William Ogburn (1964)[5] descrita em On Cultural and Social Change, sugeria, por exemplo, que os impactos de uma tecnologia não eram visíveis aos atores sociais durante algum tempo, após sua introdução na sociedade, ou seja, eram necessários períodos de incubação ou maturação, semelhantes a um vírus. O que vemos é que essa maturidade é cada vez mais rápida e abrangente.
Um exemplo de uma possível reviravolta interessante na indústria da arte é o uso de big data em galerias e museus para identificar e compreender o comportamento do público (customer journey), projetar exposições futuras e mensagens personalizadas para os smartphones dos visitantes.
Durante séculos, o conhecimento e a memorização conduziram a aprendizagem e o ensino nas universidades sendo necessários meses de árduo esforço humano para copiar um livro. A imprensa promoveu a propagação mais rápida de novas ideias, a alfabetização e o rápido desenvolvimento das ciências, filosofia, medicina, educação, artes e religião em toda a Europa medieval. Isso mudou a natureza e o acesso ao conhecimento. Os livros impressos, apesar do alto custo original, agora podiam ser lidos (por quem sabia ler), guardados, vendidos, transmitidos, transportados e partilhados.
A tecnologia como enabler do saber e da aprendizagem
A ‘revolução tecnológica’ do século 20, com o começo e rápida expansão da Internet, a democratização dos PCs e dos telemóveis alterou, mais uma vez, o acesso e o controlo do conhecimento e da informação. Ambos são hoje acessíveis em qualquer lugar, a qualquer hora por meio de dispositivos móveis cada vez mais acessíveis, por (quase) qualquer pessoa, literalmente (quase) de graça. A dificuldade é a sua organização e seleção. Daí que a “Google’s mission is to organize the world’s information and make it universally accessible and useful”.
O memorizar vem sendo substituído pelo “googling”: um acesso rápido à informação sem a necessidade de a fixar. Quando o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) publicou em 2002 seus primeiros cursos online por meio de sua plataforma MIT Open Course Ware, foi visto como revolucionário: o conteúdo de uma universidade de elite ficou repentinamente e amplamente disponível para todos com acesso a um computador, quase sem custo. Entretanto a Coursera, Udacity, edX e FutureLearn foram lançadas para oferecer aulas universitárias gratuitas online, os MOOC – Massive Open Online Courses, em parcerias inéditas com escolas de topo, porque em última análise, “as pessoas querem aprender”[6].
Para se manterem competitivas as empresas devem alinhar a sua estratégia com a evolução do contexto e a tecnologia é um poderoso driver de inovação. Para se prepararem algumas investem, investigam, experimentam e até desenvolvem modelos de negócio paralelos que assentes em tecnologias emergentes criam propostas de valor inovadoras. O gestor deve conhecer os drivers da mudança, as restrições à evolução do modelo de negócio e os facilitadores internos e externos dessa transformação.
[1] Nas palavas do Prof. Adrian Caldart.
[2] Christensen, C.M. (1997) The Innovator’s Dilemma: When New Technologies Cause Great Firms to Fail. Boston. MA: Harvard Business School Press.
[3] Christensen, Clayton, and Michael Raynor. The innovator’s solution: Creating and sustaining successful growth. Harvard Business Review Press, 2013.
[4] Chesbrough, Henry, and Richard S. Rosenbloom. “The role of the business model in capturing value from innovation: evidence from Xerox Corporation’s technology spin‐off companies.” Industrial and corporate change 11.3 (2002): 529-555.
[5] Ogburn, W. F. (1964) On cultural and social change: Selected papers. Chicago: University of Chicago Press.
[6] Silberzahn, P. (2014) MOOCs: Because people want to learn. eCampus News [online]. Disponível em: http://www.ecampusnews.com/top-news/moocs-people-learn-177
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