AESE insight #55 > Thinking ahead
Introduction to Microeconomics, um manual de microeconomia contemporâneo
Marta Lince de Faria
Professora de Fator Humano na Organização e de Microeconomia na AESE Business School, Cátedra de Ética da Empresa e na Sociedade AESE / EDP
Durante o período em que fomos obrigados a ficar confinados por causa da pandemia da COVID-19, várias pessoas aproveitaram para se dedicar a projetos de cariz intelectual que vinham desejando desenvolver, mas para os quais não tinham o tempo e a tranquilidade suficiente. O livro Introduction to Microeconomics foi o “COVID project” do professor Luís Cabral. É um livro inovador desde vários pontos de vista: neste artigo destaco quatro.
Em primeiro lugar, é um livro digital e totalmente gratuito, e é o manual de Introdução à Economia utilizado na licenciatura da New York University e na cadeira de Microeconomia do MBA da AESE, também lecionada pelo professor Luís Cabral. Este facto é relevante porque olhando para os manuais das duas maiores universidades de Nova York, a NYU e a Columbia University, podemos ver que o manual utilizado na NYU é totalmente gratuito, e o manual adotado pela Columbia University custa 399 dólares. O custo dos manuais das universidades americanas é tão elevado que alguns alunos os chegam a alugar – note-se que mesmo que o valor das propinas numa universidade americana seja muito elevado, muitos alunos estudam com bolsas totais e vivem com algumas dificuldades económicas.
O facto de o livro ser digital traz outras grandes vantagens. É um manual feito para uma geração nativa digital e adapta-se perfeitamente ao estilo de estudo desta geração: a) o próprio manual tem links para vídeos explicativos no Youtube; b) o aluno pode fazer “copy-paste” do conteúdo para os seus apontamentos de estudo e c) pode estudar no iPhone ou no iPad em qualquer sítio em que se encontre.
Em segundo lugar, o livro nasce de uma preocupação dos alunos e de um apelo que, de algum modo, deve ser lançado aos professores de economia. Durante décadas a forma de ensinar as cadeiras introdutórias de economia esteve muito relacionada com a análise positiva do mercado. Isto por dois motivos principais: por um lado, o mercado como fenómeno de criação de valor é algo extraordinário que pode e que leva muitos economistas a fascinar-se, esquecendo a importância de existirem mecanismos para depois distribuir esse valor. Por outro lado, a teoria económica é muito elegante e o estudo de modelos acaba por ocupar uma parte desmesurada do tempo de ensino das cadeiras introdutórias. Um estudo feito junto de estudantes de economia demostrou que as grandes questões que os preocupam hoje não são os vários modelos que o economistas são capazes de desenhar, mas são questões como a desigualdade social, as alterações climáticas ou a sustentabilidade[1]. Estas questões não são suscetíveis de serem traduzidas em modelos simples e elegantes, provavelmente exigirão um estudo interdisciplinar para nos podermos aproximar a elas. Por isso, a quinta parte deste livro tem três capítulos dedicados à desigualdade social (as outras partes incluem tópicos clássicos como escassez e escolha, mercados, e a situações de falhas de mercado), um facto que é totalmente inovador num manual de Introdução à Economia.
Em terceiro lugar, o autor promete continuar a desenvolver e a incluir em versões ulteriores do livro questões que preocupam as pessoas e também novas questões que começam a aparecer no mundo em que vivemos. Uma sexta-parte sobre o bem comum e o desenvolvimento já está praticamente prometida pela importância de compreender como é que alguns países avançam tanto no desenvolvimento e outros parecem ficar numa poverty trap. Mas também poderá ser interessante analisar falhas nos princípios clássicos da economia à luz de novos fenómenos a que assistimos. Na opinião do professor Luís Cabral uma das grandes falhas no princípio da racionalidade dos agentes económicos é o facto de a economia simplesmente considerar que a aquisição de um vício é fruto de uma decisão, quando na vida real todos experimentamos que há algo mais que é necessário explicar nos fenómenos aditivos. Quando temos realidades como as adições provocadas pelas redes sociais ou pelo e-commerce que começam a ultrapassar em muito a escala das adições clássicas, vemos que há aqui oportunidades para novas reflexões.
Por último, reitero o comentário que fiz ao professor Luís Cabral quando li o manual pela primeira vez. O livro é de facto fresco e jovem não apenas no formato digital, mas também na forma como flui: torna-se bastante agradável de ler, ao contrário da maioria dos manuais. O autor, no entanto, não sacrificou o rigor das fórmulas e dos modelos matemáticos: sempre que necessário para aprofundar ou sistematizar um pedaço de teoria continuam a aparecer as fórmulas matemáticas que devem ter todos os bons manuais de microeconomia. No ano passado, em que co-lecionei Microeconomia no MBA da AESE com o professor Luís Cabral, alguns dos alunos ficaram assustados com as fórmulas e os modelos. No entanto, penso que se alguém se assustar pode simplesmente ler os textos que tornam a teoria compreensível através das discrições dos modelos e dos exemplos. Recomendo vivamente a sua leitura a qualquer interessado em sistematizar os seus conhecimentos básicos de microeconomia.
[1] https://www.economicsobservatory.com/what-do-economics-students-see-todays-biggest-challenges
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