Estamos prestes a iniciar mais um ano atípico. Nos últimos 20 meses já assistimos a 5 vagas de pandemia e à maior recessão da nossa história, mas também a um ciclo de expansão económica. À boleia de um cocktail de estímulos monetários e económicos sem paralelo assistimos também a uma recuperação de tal intensidade que deixou o mundo na vertigem de uma inflação crescente. Corremos a atualizar os modelos económicos de forma assustada. A prioridade está agora em reverter a política monetária – como quem retira de uma assentada o andarilho a um paciente que recupera gradualmente a marcha.
Vale a pena dar um passo atrás e refletir sobre a origem do problema. A pandemia provocou uma disrupção nas cadeias logísticas globais. Depois de um período de inatividade de produção industrial, o reinício da atividade económica pos-lockdown fez escassear muitos produtos, e essa indisponibilidade de oferta fez disparar os preços. Assim, o primeiro responsável pela inflação é o Covid-19 e controlar a inflação passa por controlar a progressão da pandemia.
Mitigar a inflação passa também por reforçar o multilateralismo e a cooperação internacional para permitir uma melhor circulação de bens e serviços. Ao contrário do que se esperava o Covid-19 inverteu a onda de protecionismo que até então vinha intensificar-se no mundo. A 1 de janeiro entrou em vigor o maior acordo comercial do mundo que abrange 15 países da Ásia Pacífico que inclui China, Japão e Austrália. O plano internacional de infraestrutura da União Europeia recém-anunciado – Global Gateway, para conectar Europa, África, Ásia e América Latina disponibiliza 300 biliões de euros de investimento. Será importante que o Acordo de Investimento EU-China concluído no final de 2020 entre em vigor quanto antes. Em simultâneo há que relançar a relação transatlântica com os EUA com a concretização de acordos comerciais mais focados e específicos – evitando longas negociações não frutíferas como o TTIP.
Não sendo possível atacar a origem da inflação no estrangulamento da oferta, a reversão gradual da política monetária será a única alternativa para conter a procura (e o crescimento económico) e deste modo moderar a inflação. Neste contexto, serão inevitáveis um aumento do custo de financiamento e o abrandamento do crescimento económico, e assim torna-se ainda mais necessário acelerar a consolidação das contas públicas. A boa notícia é que em 2021 o défice público português poderá situar-se próximo de 4% do PIB3. Em 2022 e 2023 teremos de caminhar a passos rápidos de volta ao excedente orçamental de 2019.
Como sabemos a formação de preços começa no custo do barril do petróleo. A cotação do barril de Brent é o referencial para o custo de energia e está no início da formação de preços de qualquer produto. Travar a subida da inflação passa também por estabilizar o preço do barril – o que só pode ser conseguido a curto prazo por um aumento da produção de petróleo liderado pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEC). O consumo mundial de petróleo é relativamente estável e ronda os 100 milhões de barris/dia1. O consumo médio mundial de petróleo foi de 100 milhões de barris por dia em 2018 e 2019 e prevê-se que se situe neste patamar em 2022. Com uma tal estabilidade no consumo não haveria motivos para tão grande volatilidade do preço do barril de brent não fosse a sua produção estar muito dependente de um conjunto limitado de países exportadores de petróleo em regiões onde abundam as tensões geopolíticas. No médio prazo a solução deverá passar por um mix energético com fontes de energia de baixa emissão de carbono acompanhado de uma maior eficiência energética em particular nos transportes e na habitação.
Os 3 maiores riscos globais identificados no Global Risk Report do World Economic Outlook são de natureza ambiental e reforçam a necessidade de transição para uma economia de baixo carbono. Só assim podemos cumprir a meta da União Europeia de ser a primeira região no mundo com neutralidade carbónica em 20502 e da China atingir o mesmo objetivo em 20603. Este processo já foi iniciado pelo Banco Central Europeu com os testes de esforço climáticos ao sistema bancário, a realizar pelo Mecanismo Único de Supervisão em 2022. Nestes testes pretende-se quantificar a vulnerabilidade das exposições do sector financeiro aos riscos climáticos provenientes dos empréstimos concedidos. Mas esta ponderação vai muito mais longe e pretende mesmo quantificar o cálculo de emissões de CO2 associadas aos empréstimos concedidos – com vista a incentivar as entidades financiadoras a financiar a transformação para uma economia mais sustentável. Ao mesmo tempo, o Plano de Recuperação e Resiliência implementado pela Comissão Europeia – que a preços correntes de hoje é 7 vezes superior ao Plano Marshall, tem uma aposta forte no financiamento da transição climática.
Apesar de todos os desafios, a coordenação global entre povos e nações marcou a diferença pela positiva entre esta crise e as crises anteriores e permitiu mitigar a pandemia e recuperar a economia. A questão que se coloca depois de quase dois anos pandémicos é como evitar que todos estes acontecimentos “nos cansem, empobreçam e esvaziem? Como vamos buscar uma serenidade permanente que nos permita manter um sorriso nos lábios? Apenas as pequenas coisas são o caminho para os grandes ideais assentes no cumprimento do pequeno dever de cada instante”5. A verdade é que ao contrário do que possamos pensar, a felicidade reside nesta viagem diária de superação contínua mais do que no destino onde pretendemos chegar. Votos de um Bom Ano Novo de 2022!
*Dedico este artigo à memória do Padre Joaquim Malvar Fonseca.
Fontes:
(1) OPEC Monthly Oil Market Report 13 December 2021 (https://momr.opec.org/pdf-download/).
(2) Estratégia a longo prazo para a neutralidade Carbónica a 2050, Comissão Europeia (https://ec.europa.eu/clima/eu-action/climate-strategies-targets/2050-long-term-strategy_pt).
(3) Conselho de Estado da República Popular da China http://english.www.gov.cn/policies/latestreleases/202110/24/content_WS61755fe9c6d0df57f98e3bed.html
(4) Estimativas do Ministério das Finanças de défice público provável de 4.3%.
(5) Coisas Pequenas, Padre Joaquim Malvar Fonseca, Editora Quadrante, São Paulo, 1996
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