Chamou-me a atenção a afirmação do Presidente da Ucrânia, no seu discurso inaugural, para os legisladores: “Não quero a minha fotografia nos vossos Escritórios: o Presidente nao é um Ícone, um ídolo ou um retrato. Em vez disso, pendurem as fotografias dos vossos filhos e olhem para elas cada vez que tenham de tomar uma decisão”.
Isto é uma lufada de ar fresco, um verdadeiro pontapé no culto de personalidade, como vem sendo hábito em todos os sítios e, nalguns, caindo no ridículo. A pessoa eleita parece querer elevar-se à posição de um semi-Deus. Mas cada fotografia em excesso tem um efeito negativo, é motivo de desprezo.
A sua atuação nesta crise com a Rússia e o seu exemplo de pessoa que “dá a cara” e não foge foram exemplo para o povo mártir da Ucrânia, a quem Stalin, por receio de que se quisesse separar da União Soviética, quis quebrar a sua coluna vertebral, confiscando todos os víveres, pondo a soldadesca russa a controlar e vigiar. Isso levou à fome e à morte de mais de 7 milhões de ucranianos, em 1932/33. Muitas mais pessoas terão sofrido pela vida fora os efeitos da subnutrição, com limitações físicas e intelectuais.
Alguma notícia referia que o Presidente Ucraniano teria dito a um Governante do Ocidente que não pedia boleia, mas armamentos! É de grande Chefe proceder assim e aparecer com frequência na televisão e por vídeo com uma palavra de ânimo, para deixar claro que ele está aí, não foge e está com toda a sua Família.
Isso terá desnorteado Putin, que provavelmente pensaria que a tomada da Ucrânia seria um passeio para as tropas da Rússia, com a fuga apressada de todos os cidadãos, a começar pelo seu Presidente. E para uma evolução rápida, colunas de carros de combate de mais de 65 kms…como mostra da sua capacidade de fogo, contra a qual nada havia que fazer. Muitos carros de combate estão hoje reduzidos a um montão de cinzas e os edificios das principais cidades bombardeadas por mais de 18 dias, pela aviação russa, reduzidos a escombros… Apesar disso, os Ucranianos não cedem. A sua terra, a sua identidade, o respeito por si próprios e pela sua liberdade são valores de que não abdicam!
Fiquei muito bem impressionado com o fato de que na Ucrânia estavam 18.000 estudantes indianos a fazerem o curso de Medicina. Pergunto-me como é que a Ucrânia tinha tantos lugares disponíveis? Em todos os Colleges da India ou de outros países, ao concorrerem jovens locais muito bem preparados, apenas uma fração bem pequena consegue ser admitida, até se completarem as vagas disponíveis.
Poderia ser, da parte da Ucrânia, uma forma de conseguir receitas. Mas isso significa disponibilidade de Professores e Clínicos preparados e hospitais para as práticas. Tudo isso implica investimentos muito elevados.
Pelo que li, tirando as Instituições Públicas de ensino de Medicina na India, com custos relativamente acessíveis – naturalmente porque o erário público subsidia os cursos mais dispendiosos- quem não pode entrar nelas e segue uma via do Ensino Médico privado, tem custos muito elevados. Isso faz com que quantidades elevadas de estudantes escolham sair para outros países onde possam encontrar melhores condições de custos.
De facto, a India que precisa muito médicos deveria estudar uma forma justa de subsidiar as Instituições privadas de Ensino Médico, para que, satisfazendo todas as condições, pudessem ter custos acessíveis, de modo a evitar que os Estudantes tenham de ir para o Estrangeiro, despendendo muito mais do que se tivessem possibilidade de estudar no seu país. Se há necessidade de mais médicos, urgente é estudar modos de incentivar a iniciativa privada, subsidiando uma parte dos custos. O beneficio é para o país que necessita de mais médicos…
Qualquer que seja a razão para ter tantas vagas na Ucrânia e desde que os estudos e exigências sejam de molde a garantir qualidade, seria um motivo de grande agradecimento para com a Ucrânia o favor de receber o elevado grupo de estudantes da India. Isto é uma manifestação de grande abertura, de possibilitar que outros países amigos aproveitem da infraestrutura Escolar instalada!
E pensava que seria um gesto de grande nobreza e agradecimento que as grandes empresas Indianas de TI-Tecnologias de Informação, que estão à procura de talento, tentassem criar Centros de Desenvolvimento nas cidades da Ucrânia, logo que possível. Isso seria uma prova de simpatia para com o povo mártir da Ucrânia; acelerava a reconstrução da Ucrânia e dava para criar postos de trabalho, havidos todos os cuidados de seleção. Seria um jogo win-win: as empresas indianas criavam empregos e formavam especialistas e muitos deles seriam os talentos que as empresas indianas procuram.
Há pouco um Relatório da NASSCOM-National Association of Software and Service Companies, da India,dizia que com 608.000 “Cloud talent”, em 2021, o número de vagas não preenchidas para “cloud computing” estaria em 265.000, representando uma procura sem resposta de 30 %.
Veja-se que nomes famosos nas iniciativas de TI que prosperaram são da Europa do Leste.
A Ucrânia inspira o maior respeito e simpatia. Da mesma forma como acontece com todos os países acorrentados pelo regime soviético, que ficaram à merce dos ditadores, sem se poderem libertar, depauperados e desesperados, até á chegada do grande “libertador” que foi Gorbachev. Não só na União Soviética. No Ocidente, com ou sem ditadores, também houve acorrentamentos das colónias, para impedir que elas se quisessem libertar do jugo colonial.
Nas negociações entre os dois Presidentes da Rússia e da Ucrânia, que virão a seguir, estou certo, o respeito pela liberdade dos países saídos da União Soviética e a manutenção da identidade de cada um deles deveriam ser um ponto central.
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