Quando olhamos para o mundo das empresas é fácil perceber que há situações e desafios pelos quais todas as empresas passam, independentemente do seu tamanho. Um dos desafios frequentes em todas as empresas e organizações, sejam elas grandes ou pequenas, são os riscos éticos. Estes riscos podem chegar a transformar-se em dilemas quando deixa de ser claro qual a ação certa a tomar. Um dilema ético pode ser difícil de detetar pela sua ambiguidade: geralmente existem várias soluções possíveis, sendo que nenhuma é 100% ideal e todas têm consequências negativas associadas. Se não é identificado e prevenido, muitas vezes um risco ético para além de poder tornar-se um dilema pode gerar problemas graves impactando negativamente indivíduos e empresas.
Felizmente as organizações lidam com riscos éticos há décadas e isso permitiu a criação de boas práticas para os resolver e, melhor ainda, para os prevenir. Cada vez mais as empresas têm departamentos e códigos de ética e existe muita informação e formação nesta área.
O primeiro passo para lidar com um risco ético é detetá-lo e, depois, saber quais os meios para lidar com ele da melhor forma. Claro que nem sempre é fácil identificar ou categorizar um risco ético, muitas vezes a situação e soluções não são claras e não há informação completa. Mas muitas vezes os dilemas repetem-se na história, e é possível identificá-los e aplicar boas práticas aprendidas no passado. Existem muitos tipos de riscos comuns, como o conflito de interesses, o assédio físico, verbal ou psicológico, a discriminação e a corrupção ou fraude em altos cargos de direção. Neste artigo debruçamo-nos sobre conflitos de interesses.
Conflito de interesses
Um conflito de interesses acontece quando os interesses pessoais de um colaborador de qualquer nível hierárquico coincidem com os interesses da empresa e interferem com a sua performance e responsabilidades. Isto pode acontecer tanto por ações como por omissões. Existem muitas situações de conflitos de interesses, tais como atividades fora da empresa, favoritismo, interesses financeiros, favores, compensações ou presentes de organizações externas, uso da propriedade, tempo e materiais da empresa, entre outros. Neste artigos explicamos algumas destas situações.
Favores, presentes e remunerações
Por vezes pode acontecer que parceiros de negócio ou do governo ofereçam presentes, benefícios pessoais ou outros favores. Estas situações devem ser geridas com cuidado pois podem criar conflitos de interesse ou lealdade, e gerar expectativas de retribuição (como a continuidade de uma parceria) para os parceiros de negócio. Por exemplo, uma potencial empresa de outsourcing oferece uma viagem à sua sede internacional, com voos, hotéis, refeições e outros custos cobertos. Este tipo de oferta deve ser evitado pois pode interferir com a capacidade e imparcialidade de escolha do melhor parceiro de outsourcing para a empresa em questão.
É muito útil para as empresas ter uma política clara que ajude gestores e equipas a identificar limites para a aceitação deste tipo de favores e benefícios.
Favoritismo
Favoritismo, ou nepotismo, acontece quando um gestor contrata, ou favorece, um amigo próximo ou membro da família baseado na sua relação pessoal e não necessariamente na sua capacidade para cumprir as funções do emprego em questão. É claro que pode acontecer que um familiar tenha um ótimo fit com a empresa e a equipa, mas o favoritismo pode trazer problemas para a organização e deve ser bem gerido para evitar conflito de interesses.
Boas práticas para evitar o favoritismo incluem a definição de regras como a não contratação de familiares, ou pelo menos não para o mesmo departamento, para que possa haver um processo de recrutamento imparcial, sem o colaborador em questão fazer parte da tomada de decisão. Uma excelente prática para evitar este tipo de conflito de interesses é a empresa ter um programa oficial de referências dos colaboradores para potenciais recrutamentos. Assim um colaborador pode recomendar um amigo ou familiar para uma posição através de canais oficiais, não comprometendo a transparência nem igualdade de oportunidade para todos os colaboradores.
Atividades e trabalhos fora da empresa
É normal que muitos colaboradores estejam envolvidos noutras organizações alheias à empresa. Estas atividades externas podem ser pagas, um segundo emprego, ou não pagas – frequentemente voluntariado em ONGs ou diferentes causas.
Por um lado, um trabalho ou atividade fora da empresa pode ser extremamente benéfico para o colaborador e para a empresa, pois pode contribuir para o crescimento pessoal e profissional do colaborador, os seus skills, felicidade e saúde mental.
Por outro lado, estas atividades e trabalhos fora da empresa podem gerar conflitos de interesses quando as duas atividades são incompatíveis de alguma forma, quando há o risco de utilizar a influência na empresa para beneficiar de forma injusta a organização externa, ou quando uma grande dedicação à atividade externa prejudica a energia e tempo dedicados ao emprego principal. Se as atividades estão relacionadas de alguma forma, ou em concorrência, há também o risco dos colaboradores “roubarem” informação, dados de clientes ou outra propriedade intelectual, o que pode também ser considerado espionagem corporativa. Para desencorajar este tipo de violações éticas, algumas empresas pedem aos seus colaboradores para assinar acordos de privacidade, com penalização monetária em caso de violação. E se houver alguma atividade considerada incompatível com o negócio da organização, é importante que isso seja do conhecimento dos colaboradores e que esteja explicado de forma clara no código de ética, ou equivalente.
Uso de propriedade e materiais da empresa
Muito relacionado com o conflito de interesse anterior, não é raro que um colaborador utilize tempo do horário na empresa para trabalhar em assuntos pessoais ou atividades externas, quando deveria dedicar tempo e esforço ao emprego. Da mesma forma, a utilização de cartões de crédito corporativos, material, tecnologia, edifícios ou equipamento da empresa, é normalmente acessível e fácil de utilizar para propósitos pessoais.
É importante que a empresa comunique bem aos colaboradores quais os usos que eles podem fazer dos ativos e horários da empresa. Algumas empresas são muito rígidas, enquanto que outras oferecem horários flexíveis e permissão para o uso pessoal de alguma tecnologia ou equipamento (portáteis, impressoras, etc.), e veem isso como um benefício extra oferecido ao colaborador. De qualquer forma, comunicação e diretrizes claras da parte da empresa são essenciais.
Conclusão
O comportamento não ético quase sempre tem em vista apenas o curto-prazo. Mas no longo-prazo, as consequências da falta de ética e honestidade podem trazer inúmeros danos para os indivíduos e empresas, tanto a nível pessoal como a nível corporativo (por exemplo, causando danos financeiros ou de reputação para a empresa)
Para evitar situações de conflito de interesses, é importante que as empresas comuniquem muito claramente o que consideram conflito de interesse. Se a empresa tem um código de conduta ou de ética, este tópico deve ser incluído, com normas específicas e exemplos. Se a empresa tem um departamento de ética, é uma boa prática oferecer apoio confidencial, conselho e orientação para casos em que um colaborador possa estar a lidar com um possível dilema ético, sem saber que decisão tomar. Para isso é importante que estes canais oficiais e confidenciais estejam bem comunicados, para que os colaboradores saibam onde se dirigir.
Por fim, é importante formar gestores e a alta direção nestes temas, para que seja um tema presente no dia-a-dia das equipas, e para que haja liderança pelo exemplo de cima para baixo.
Para saber mais:
Introduction to Corporate Sustainability, Social Innovation and Ethics (Imperial College), United Nations Ethics Office, SpriggHR, Global Ethics Solutions, Everfi, Become
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