AESE insight #71 - AESE Business School - Formação de Executivos

AESE insight #71 > Thinking ahead

Somos cérebros de obra

Jorge Ribeirinho Machado

Professor e Responsável Académico da Área de Operações, Tecnologia e Inovação da AESE Business School

Se, no seu local de trabalho, as suas mãos só servem para escrever ao computador, então o leitor é um cérebro de obra. Conta-se de um célebre empresário do início do século passado que dizia que aquilo que não lhe agradava era que, ao contratar umas mãos para trabalhar, vinha um cérebro “agarrado” às mãos. Era o tempo da mão de obra, pura e dura: o trabalhador podia tentar aportar algum valor ao seu trabalho, mas não se conseguia fazer ouvir.

Isso acabou.

As pessoas agora são, na sua grande maioria, como diz a Prof. Beatriz Muñoz-Seca, cérebros de obra, já que o valor que criam é o que o seu cérebro produz.

De facto, mesmo as outras também são cérebros de obra, já que, tendencialmente, os colaboradores já se conseguem fazer ouvir quando querem aportar mais valor ao seu trabalho. Os dirigentes têm a noção de que “Sabe quem faz”, que quem está a fazer as tarefas é que sabe como é que elas se fazem, como é que elas se podem melhorar, como é que a operação pode ser mudada para criar mais valor.

O que é que mudou? O que é que os dirigentes têm de ter em conta para gerir os seus cérebros de obra?

Em primeiro lugar, os chefes (Levar as pessoas a fazer o que queres que façam) tiveram que se transformar em líderes (Levar as pessoas a fazer o que queres que façam e que isso seja o que eles querem fazer).

Depois, tiveram que alterar o seu comportamento: deixaram de poder gerir por “espasmos”, ziguezagueantemente, decidindo ir num sentido num dia e no sentido contrário no dia seguinte; para isso, é necessário um processo de planeamento detalhado, conhecido e assumido por todos, e um código de comunicação conciso e simples.

Mudou também a abordagem, de complexa para simples. O princípio KISS – Keep it simple, stupid – deve-se a um engenheiro da Lockheed, responsável pelo S-71 Blackbird, e é básico na gestão de cérebros de obra. A simplicidade é estética e a estética leva à harmonia.

Como é que os dirigentes têm de gerir os seus cérebros de obra, para que sejam eficientes todo o tempo? Antes de mais, ter uma atitude de apoio, de ajuda, “Em que te posso ajudar?”; depois, confiar, delegar, deixar fazer; ter consciência de que a micro-gestão é demolidora da confiança do colaborador, e que este deixa de decidir porque o seu dirigente vai fazê-lo de qualquer forma, ultrapassando a decisão tomada pelo colaborador; criar as condições para que quem brilhe seja o cérebro de obra, desaparecendo quando o trabalho do dirigente já está feito; aplaudir, reconhecer, quando o trabalho ficou bem; ter a noção de que a única coisa que um cérebro de obra tem para ter empregabilidade é o que sabe, e por isso tem de estar continuamente a actualizar-se; fazer com que todos possam ver o efeito das suas acções sobre o serviço final; e, por fim, mas mais importante, estar constantemente a desafiar o cérebro de obra para ir um pouco mais além do que aquilo que já foi.

Penso que um dos motivos fundamentais da “Great Resignation” foi a incapacidade dos dirigentes de saberem gerir os seus cérebros de obra, por continuarem a pensar nos seus colaboradores como mão de obra, qualificada, é certo, mas mão de obra. A descoberta de que se pode ser feliz a trabalhar – manifestada, por exemplo, na criação de Chief Happiness Officers – só pode ser concretizada se os cérebros de obra tiverem um trabalho que lhes permita produzir todo o valor que são capazes.


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