O primeiro-ministro anunciou no início do mês o novo pacote de medidas de ajuda às famílias para responder ao contexto atual de inflação e ao aumento do custo de vida causados, essencialmente, pelo sucesso da acelerada recuperação económica pós-pandemia e as consequências da guerra na Europa. Independentemente da bondade das medidas (qualquer contributo para aliviar a precariedade económica das famílias é sempre bem-vindo), estas não parecem ter outra ambição que não seja isso mesmo: um pacote de medidas conjunturais.
Todavia, tendo em atenção o futuro, é-nos exigido a todos, coletivamente, um exercício de inteligência, prudência e resiliência que responda à contenção da inflação e dos custos/preços, e continue a energizar o crescimento sustentável, sem descuidar os mais frágeis e vulneráveis da sociedade. Na realidade, se nada de estrutural for trabalhado, é muito fácil cair na espiral viciosa da subida de preços, salários e inflação. Ou seja, vale a pena dedicar tempo a ler de forma inteligente a realidade, nomeadamente estudando e debatendo as tendências da inflação e de outros indicadores económicos e sinais relevantes; tomar decisões com prudência, desde o ajustamento de custos/preços para o próximo ano aos investimentos a realizar que contribuam para uma maior eficiência e produtividade, e, ainda, viver com resiliência o quotidiano da empresa e da vida.
Em concreto, o crescimento global em 2021 superou o patamar dos 6% (6.1%) mas foi acompanhado de uma elevada inflação. Até fevereiro de 2022, ou seja, antes do despoletar da guerra na Europa, a inflação nos EUA aproximou-se já do patamar dos 7.9%, numa trajetória ascendente, ao longo de 12 meses consecutivos. Foi a consequência de uma recuperação da economia pós-pandémica bem mais rápida do que a previsão. Esta elevada inflação foi, naturalmente, agravada com o conflito entre a Rússia e a Ucrânia, contribuindo para um acréscimo de inflação nas economias avançadas para um novo máximo próximo de 9%, em agosto de 2022 (EUA e UE).
Mas, de facto, por agora, há já sinais de abrandamento da inflação como é ilustrado pela recente redução expressiva do preço das matérias-primas e da alimentação (em mercados grossistas). Desde o início do ano a cotação em dólares do cobre, da prata, do alumínio reduziu 21.8%, 22.9% e 18.25% respetivamente – tendo esta redução sido menos expressiva na área Euro, em resultado da forte desvalorização do euro face ao dólar. Também o índice dos custos de matérias-primas alimentares das Nações Unidas caiu 14%, desde o início do conflito entre a Rússia e a Ucrânia e estava já na passada sexta-feira a um patamar inferior ao final de dezembro de 2021.
Assim, se por um lado a inflação está mais controlada do que podia parecer, ao mesmo tempo continua a ser prioritário mitigar todos os efeitos perversos que a acompanham, em particular a perda do poder de compra. Contudo, tal só pode ser feito com uma forte consciência social de todos os agentes económicos, o que implica, por exemplo, a moderação na ambição de repercutir todos os aumentos de custos na formação futura de preços, sob pena de, coletivamente, sairmos todos a perder.
Numa altura de definição de aumento de preços para o próximo ano todos – desde logo o Estado nas projeções do Orçamento de 2023 – devemos assumir um grande sentido de responsabilidade social. Sabemos que todos os aumentos de preços decididos este ano contribuirão de forma direta para fazer crescer a inflação do próximo ano. Ora num momento em que a inflação dá já alguns sinais de abrandamento, há que ser prudentes e não pôr em risco a nossa capacidade de controlar o aumento da inflação. Tanto mais que sabemos, da observação do comportamento da inflação em, por exemplo, países da América Latina, em que a dinâmica da hiperinflação uma vez em curso é imparável, mesmo depois da natural correção, a seu tempo, dos preços das matérias-primas e outros indicadores.
Mas uma melhor ambição deve ser ir além de mitigar eficazmente a inflação. Para a União Europeia, ou Portugal, é central apresentar um plano estratégico para apoiar as indústrias, empresas e famílias. Mas um plano que, de forma articulada, tenha como objetivo reduzir a inflação e, simultaneamente, promover o crescimento económico de forma estruturalmente sustentável. Um bom exemplo, pelo menos em teoria, é o “Inflation Reduction Act” aprovado pelo Congresso Americano, em agosto, na sequência do “Infrastructure Investment and Jobs Act”, datado do final de 2021. O plano aborda não só a inflação, mas também vários problemas estruturais que a economia e a sociedade americana há muito enfrentam. Em concreto apresenta um conjunto de incentivos orientado à transição energética, à saúde, às desigualdades sociais e a uma maior justiça fiscal. Este plano espera-se que não só reduza a inflação como também reforce a competitividade da América a longo prazo. Não será certamente um plano perfeito, muito menos o será na sua implementação, mas um plano assim é determinante como um fator de coesão, dando um claro sentido de futuro a todo o esforço coletivo.
Por último, a resiliência que, tal como o Prof. Markus Brunnermeier da Universidade de Princeton refere, é a condição necessária para navegar com sucesso numa economia dinâmica e globalizada, cheia de riscos e desafios, uns já conhecidos e outros inimagináveis, desde a inflação, à desigualdade social, às alterações climáticas e os unknown unknowns. Segundo este mesmo professor, o conceito de resiliência pode ser uma bússola para o desenvolvimento de um compromisso social, assumido por todos e que a todos beneficie. E assim terá de ser.
Na realidade, ante o futuro novamente mais incerto como o que se avizinha, iremos necessitar seguramente de compromisso, de sacrifícios partilhados (não há outra forma) e de um sentimento de unidade em nome de um bem maior, um futuro comum. Já o fizemos “empurrados” pela pandemia. Num contexto muito mais imprevisível, através da coordenação e colaboração, fomos capazes de trilhar um caminho de sucesso. Será que agora estamos novamente dispostos a fazê-lo? Ajuda começar por considerar, a nível pessoal, a que damos verdadeiramente valor na nossa vida e o que, caso necessário, estamos disponíveis para sacrificar. Já a nível das empresas, é um bom exercício revisitar os investimentos, sobretudo em inovação, a eficiência dos processos, a cultura e as pessoas. Seguramente há custos que podem ser ajustados, tal como há investimentos que não podem deixar de ser feitos porque assegurarão não apenas a sobrevivência, mas o futuro da empresa. A prudência é entender uns e outros e decidir com audácia.
Artigo publicado no Jornal de Negócios
Recomendações de leitura
A demisão silenciosa “Quiet quitting” vai acabar mal
Pedro Afonso
Psiquiatra e Professor de Fator Humano na Organização da AESE Business School
The metaverse: will virtual live up to reality?
Miguel Anton and Chabela Estalella
IESE insight
Miguel Anton is the academic director of the Master in Management (MiM) and Chabela Estalella is the MiM executive director.
Who controls the world’s minerals needed for green energy?
Luc Leruth (Tbilisi University) and Adnan Mazarei (PIIE)
Peterson Institute for International Economics
Photo: REUTERS/Melanie Burton
Build a Strategy that Addresses Your Gnarliest Challenges
Richard P. Rumelt
Harvard Business Review
Photo: Sutad Watthanakul / EyeEm/Getty Images
How business operations can respond to price increases: A CEO guide
Andreas Behrendt, Axel Karlsson, Tarek Kasah, and Daniel Swan
McKinsey & Company
How companies can ‘walk the talk’ on pressing social issues
Dominic King, Senior Principal, Accenture Research & Josh Rhodes, Consultant, Accenture Strategy
World Economic Forum
Photo: Reuters/Henry Nicholls