AESE insight #81 - AESE Business School - Formação de Executivos

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O sub-endividamento das empresas portuguesas

Diogo Ribeiro Santos

Professor de Finanças da AESE e Diretor do Program Next Generation

Introdução
Olhamos normalmente para a dívida “problemática”: sobre-endividamento de estados soberanos, de empresas e de famílias; reestruturações ou perdões de dívida; e crédito malparado. Aqui, abordarmos também a utilização racional da dívida como forma normal de financiamento das empresas. Procuramos responder a duas perguntas: 1) As empresas portuguesas estão sobre-endividadas? 2) O endividamento das empresas é generalizado?

Visão geral

Existiam, em finais de 2020, 1.301.000 empresas: 850.584 empresários em nome individual (65,4%) e 450.416 sociedades (34,6%). A dívida financeira das empresas (Curto Prazo e Médio-Longo Prazo) ascendia a 200 mil milhões de euros. A lista dos sectores de atividade consta da Tabela 1.

Tabela 1: Códigos e sectores de atividade

Fonte: Banco de Portugal (BdP).

1) Sobre-endividamento

Uma empresa está sobre-endividada quando não consegue servir a dívida pontualmente. O rácio Dívida/EBITDA sobrestima a capacidade de servir a dívida, porque o EBITDA (Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation and Amortization) é calculado antes de impostos e das necessidades de reposição de ativos. O potencial de sobrestimação da capacidade de servir a dívida é agravado pela utilização, no numerador, da Dívida líquida de Caixa e Bancos. É uma prática a evitar porque as responsabilidades da empresa medem-se em termos brutos e não líquidos.

O Auto-financiamento (Resultado Líquido mais Amortizações) é o resultado que está disponível para servir a dívida (antes de necessidades de reposição de ativos). O rácio Dívida Bruta/Auto-Financiamento é mais fiável. O Gráfico 1 apresenta os valores do rácio para os anos 2006 a 2020. O sobre-endividamento dos sectores G e L não oferece dúvidas. O valor negativo de G explica-se por um rácio de -449 em 2011, com autofinanciamento negativo e dívida de 31 mil milhões de euros.

Gráfico 1: Rácios médios Dívida Bruta/Auto-Financiamento para 2006-2020

Fonte: BdP.

Se nos focarmos apenas nos rácios para o ano de 2020, nota-se o efeito da pandemia e dos confinamentos nos sectores dos Transportes, Turismo e Outros Serviços.

Gráfico 2. Rácio Dívida⁄(Auto-financiamento) para 2020.

Fonte: BdP.

É legítimo falar de sobre-endividamento em 2020. A maturidade média da dívida é elevada e especialmente alta em alguns sectores. Mas, será seguro afirmar que as empresas portuguesas estão, em média, sobre-endividadas?

2) Sub-endividamento

O endividamento está concentrado em 18% das empresas (Gráfico 3), pelo que não deve ser analisado em termos médios. É significativo que no sector com mais empresas, o Comércio, apenas uma em cada quatro esteja endividada. O sector das Indústrias Extrativas é o mais endividado (cerca de 44%) mas tinha apenas 1.023 empresas em 2020.

Gráfico 3. Empresas endividadas e não-endividadas (unidades), em 2021.

Fonte: Banco de Portugal divulga informação sobre moratórias de crédito. Janeiro de 2021.

Gráfico 4. Devedores e empresas por sector em 2020 (milhares).

Fonte: BdP.


Gráfico 5. Empresas endividadas e não-endividadas por sector (%). Valores médios para 2006-2020.

Fonte: BdP.

Conclusão

Em média, as empresas portuguesas não estão sobre-endividadas, apesar de o endividamento médio em alguns sectores ser preocupante. Contudo, as empresas portuguesas que se endividam não ultrapassam os 18% do total. Quaisquer análises do endividamento do conjunto de empresas ou de sectores de atividade devem utilizar dados desagregados para devedores e não-devedores. Estes números revelam que existe muita heterogeneidade escondida pelas médias – o clássico problema do estatístico que morreu afogado num rio que tinha, em média, um metro de profundidade…

Num país como Portugal, com reduzidos níveis de investimento, apenas 18% das empresas estão endividadas. Se mais empresas utilizarem o crédito bancário para financiar o seu investimento, o investimento privado pode aumentar significativamente. A pergunta que se impõe é: porque é que não o fazem? Serão os critérios da banca demasiado apertados para excluir do crédito 80% do tecido empresarial (ou 80% das empresas demasiado frágeis)? Poderão existir outros fatores em jogo, como aversão ao risco e ao endividamento. Cabe às escolas de negócios a iniciativa de “sentar à mesa” banqueiros, empresários e gestores, para iniciar este debate

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