Agostinho Abrunhosa
Diretor do Executive MBA e Professor da Área de Operações, Tecnologia e Inovação da AESE Business School
O metaverso, como outras inovações, suscita admiração, ceticismo e até mistério. Os seus defensores dizem que será a evolução da internet e que mudará a forma como trabalhamos, compramos, jogamos e socializamos, em especial nos jovens o que é especialmente atrativo para as empresas. No último mês, 204 milhões estiveram na Roblox, uma plataforma de jogos online, 80% com menos de 16 anos [1]. Até o filme vencedor dos óscares deste ano mistura realidade com metaverso.
Um artigo de Janeiro de 2023 da McKinsey [2] estima que o metaverso possa gerar 5 triliões de dólares em 2030 em diversas utilizações individuais ou empresariais, um crescimento anual médio de cerca de 42% face a 2022. Um valor idêntico à economia japonesa, a terceira maior do mundo.
Os mais céticos olham para o metaverso como uma moda que atrai jogadores, curiosos, nerds ou celebridades que se querem evidenciar. O fracasso do Second Life, o preço e as limitações dos equipamentos, a falta de padrões e utilizadores, questões de privacidade e segurança dão argumentos aos mais incrédulos. Segundo o google trends o conceito arrefeceu nos últimos meses. Outro sinal é a quebra, em 2022, de 22% nas vendas de óculos de AR/VR [3]. A guerra, as dificuldades económicas e o menor foco na covid-19 podem ser a explicação.
Impulso da pandemia
A pandemia, o desejo de sair de casa e de ter experiências novas e imersivas aceleraram a aposta no metaverso. Em 2021, o Facebook mudou o nome para Meta e disse que iria investir 10 biliões de dólares para criar a “próxima plataforma computacional”. Em 2022, a Microsoft anunciou a compra, por 68,7 biliões, da gigante dos jogos Activision Blizzard como parte de sua estratégia para ganhar posição no metaverso. A Mercedes anunciou há dias iniciativas no metaverso e NFTs. Adidas, Porsche, Nike, Warner, Sony, Visa, Walmart estão na corrida e isso é uma prova da sua importância.
Em Portugal o MEO abriu uma loja no metaverso, o BPI anunciou a abertura do 1º balcão nesse novo mundo, a Instinct to Innovate abriu uma replica do seu escritório, a Fly London entrou, a Heineken lançou a Silver, uma cerveja virtual, na Madeira nasceu a Madalia… No entanto, um estudo de dezembro de 2022 conclui que os portugueses não sabem o que é o metaverso [4].
O que é o metaverso?
O metaverso é um mundo virtual interativo que permite às pessoas “viver” uma segunda vida digital que complementa a vida física. Os participantes podem comprar terrenos, assistir a espetáculos, comprar e participar de reuniões. O metaverso oferece atividades e experiências, não apenas informações e conteúdo.
Algumas das tecnologias que fornecem acesso a esse mundo virtual, como headsets de realidade virtual (VR) e óculos de realidade aumentada (AR), estão a evoluir rapidamente. Outros componentes críticos do metaverso, como uma largura de banda adequada ou padrões de interoperabilidade, segurança e padrões, provavelmente ainda demorarão anos ou nunca se materializarão.
O conceito não é novo: o termo metaverso foi cunhado em 1992 pelo autor Neal Stephenson em seu romance de ficção científica Snow Crash, e o trabalho nas tecnologias que sustentam uma internet baseada em realidade virtual já tem algumas décadas.
Porque é importante o metaverso?
Em 2021, o metaverso tornou-se uma palavra corrente com o anúncio do Facebook. Outras tecnológicas como a Google, Microsoft, Nvidia e Qualcomm estão a investir biliões de dólares no conceito. Espera-se que o comércio eletrónico seja o motor dominante, com os jogos, entretenimento, ensino e marketing a serem também setores importantes.
A indústria de jogos online tem décadas de experiência na criação de mundos virtuais imersivos. Na medida em que um proto-metaverso tem um uso generalizado, o grande público adere. Os exemplos da Roblox, Epic Games e Decentraland sugerem que jogar, construir mundos virtuais e investir em imóveis pode ser isso.
As empresas usam o termo para se referirem a vários tipos de ambientes on-line melhorados. Variam de jogos on-line como o Fortnite, a locais de trabalho virtuais incipientes, como o Mesh da Microsoft ou Horizon Workrooms da Meta, a roupas virtuais e salas de cirurgia virtuais. Em vez de um único espaço virtual partilhado, a versão atual do metaverso é mais um multiverso: uma multiplicidade de metaversos com interoperabilidade limitada à medida que as empresas disputam posições.
Estão a experimentar-se soluções baseadas nos aplicativos virtuais usadas durante a pandemia para oferecer suporte ao trabalho remoto. Alguns hospitais estão a usar a VR e AR para formar em procedimentos médicos comuns. Uma tecnologia aprovada recentemente pela FDA é o Medivis [5], um sistema cirúrgico com AR que permite aos cirurgiões sincronizar rapidamente com o sistema de imagem digital de um hospital. Outras aplicações estão a surgir e incluem:
- Avatares digitais gémeos. Estes gémeos existirão não apenas nos ecrãs de computador, mas serão renderizados como hologramas alimentados por AI ou imagens holográficas às quais são atribuídas tarefas. Um CEO, por exemplo, poderia ativar um holograma de si mesmo alimentado por AI para se envolver com vários grupos de stakeholders ao mesmo tempo.
- Metaverso para colaborar. Algumas empresas estão a começar a usar o metaverso para adicionar “um elemento de realismo” às experiências de trabalho remoto. Isso inclui a criação de salas 3D onde as pessoas podem colaborar.
Oportunidades para as marcas
No mundo B2C, o metaverso facilita o comércio eletrónico, o envolvimento dos clientes e a construção de comunidades. As plataformas de jogos criam customer experiences enriquecedoras e imersivas com altos níveis de uso, especialmente nas Gerações Z e Alpha. Um caso de uso será a experiência de compra. As categorias de moda, artigos para o lar e beleza são as mais promissoras.
Numa pesquisa de 2021, 27% dos entrevistados disseram que estariam interessados em usar a realidade alternativa ou virtual para experimentar roupas antes de comprar e igualmente interessados em experimentar móveis e eletrodomésticos antes de os comprar no mundo real [6]. A geração dos nativos digitais, já familiarizada com o mundo dos avatares e das identidades digitais, está pronta para se envolver no metaverso. A Dyson, fabricante de utensílios de cabelo sofisticados, criou um showroom disponibilizado através de um aplicativo na loja Oculus da Meta. Já imaginou experimentar virtualmente o seu novo carro numa pista de F1 antes de o comprar?
O metaverso também permite às marcas recolherem dados valiosos para conhecer os clientes, as suas motivações, preferências e comportamentos, oferecendo experiências de compra altamente personalizadas. As marcas podem usar NFTs para apresentar aos utilizadores conteúdos exclusivos, como vídeos, canais de suporte, webinars e discussões da comunidade.
Existem também oportunidades no B2B. Eventos como feiras, conferências e palestras podem ser apresentados num espaço interativo. Em vez de anúncios, as empresas podem criar experiências virtuais personalizadas e imersivas. Os empregadores podem motivar os funcionários criando atividades gamificadas. Quase 90% dos colaboradores dizem que a gamificação os torna mais produtivos e felizes no trabalho [7]. Podem fazer-se apresentações virtuais em qualquer momento e em qualquer lugar, criando ambientes personalizados no metaverso. Podem também criar-se salas de networking e áreas de formação de pessoal. A produção e distribuição também podem beneficiar do metaverso. Por exemplo, a Anheuser-Busch está a usar o metaverso corporativo da Microsoft para rastrear cada garrafa no seu processo de produção e distribuição. Os fabricantes podem usar o metaverso para monitorar a cadeia de fornecimento e geri-la da maneira mais eficiente possível.
Segundo Andrew Hawken, cofundador e CEO da Mesmerise, o metaverso, tal como a internet na década de 90, pode ser uma oportunidade de “encolher o mundo”. Hoje podemos estar a olhar para o metaverso como na altura olhávamos com incerteza para o futuro da internet.
Como será o metaverso no futuro?
É preciso destacar que o metaverso ainda é um conjunto de possibilidades, não uma realidade. Existem muitas incógnitas. É incerto como será exatamente o metaverso, quem o controlará, qual o seu âmbito e que impacto terá em nossas vidas. Numa extremidade do espetro estão os que acreditam que o metaverso melhorará as nossas vidas, permitindo experiências que não poderíamos ter no mundo físico. Os céticos do metaverso veem-no apenas como uma extensão das experiências digitais que temos hoje, não transformadoras, e potencialmente piores: um ampliador dos atuais males das redes sociais, incluindo campanhas de desinformação, comportamentos alienados e violência.
Num estudo de 2022 realizado em conjunto com o Imagining the Internet Center da Elon University, o Pew Research Center perguntou a 624 inovadores, líderes empresariais e ativistas sobre o impacto do metaverso até 2040 [8]. As respostas dividiram-se. 54% dos especialistas disseram esperar que o metaverso esteja totalmente imersivo e funcional na vida diária de pelo menos meio bilião de pessoas em todo o mundo, 46% disse que não. Da mesma forma, uma pesquisa recente a 4.600 líderes de negócios e tecnologia conduzida pela Accenture descobriu que 71% dos executivos acreditam que o metaverso terá um impacto positivo na sua organização, mas apenas 42% acreditam que será um avanço ou desenvolvimento transformacional [9].
A combinação de entusiasmo desenfreado pelo metaverso e a profunda incerteza sobre como evoluirá provoca reações negativas. Os observadores interrogam-se se o metaverso será muito diferente das experiências digitais que temos hoje – ou, se for, se as massas estarão dispostas a passar horas com um headset navegando no espaço virtual.
Os futuristas, no entanto, argumentam que, embora seja cedo, e ainda existam barreiras técnicas fundamentais, o metaverso acontecerá e será surpreendente. Daqui a alguns anos poderemos estar a viver em 2 mundos: o físico e o virtual tirando o melhor de cada um deles.
[1] https://www.demandsage.com/how-many-people-play-roblox/
[4] https://www.distribuicaohoje.com/consumo/portugueses-metaverso/
[6] https://www.the-future-of-commerce.com/2022/03/02/the-metaverse-definition-examples-retail-benefits/
[7] https://www.zenefits.com/workest/gamification-for-employee-engagement-and-motivation/
Serviço Público: subsidiariedade ou assistencialismo
Maria de Fátima Carioca
Professora de Fator Humano na Organização e Dean da AESE Business School
Saúde em Portugal
Cátia Sá Guerreiro
Professora de Fator Humano na Organização, Diretora Programa de Gestão das Organizações Sociais | GOS e do OSA | Líderes no Feminino