Luís Realista
Licenciado em gestão de empresa, gestor e empresário no setor do ambiente e das alterações climáticas, frequenta no ano letivo de 2019/2020 o 45º PADE na AESE Business School
Em plena pandemia pretendo partilhar uma reflexão sobre o modo como podemos valorizar as questões da sustentabilidade ambiental na saída da crise provocada pela COVID-19, tendo como pano de fundo as organizações e empresas do setor do ambiente e das alterações climáticas, por isso sou levado a fazer diagnóstico e em simultâneo refletir sobre medidas para atingir o objetivo enunciado no título do artigo, faço-o enquanto membro da direção da Associação Smart Waste Portugal, como empresário e profissional do setor, focado na visão dada pelo desafio da sustentabilidade e da economia circular.
Sustentabilidade ambiental na saída da crise provocada pelo Covid-19: ameaças e oportunidades
Uma crise global como o COVID-19 está associada a consequências económicas, ambientais, sociais e políticas que irão alterar as prioridades dos diferentes estados e dos seus cidadãos. Irá certamente haver um foco inicial para compreender e resolver a pandemia, em encontrar formas de prevenir que uma catástrofe semelhante ocorra no futuro e em preparar melhor os sistemas de saúde para este tipo de crises.
Adicionalmente haverá um foco quer na mitigação das consequências económicas diretas desta crise (como por exemplo, a quebra da atividade industrial e a subida da taxa de desemprego), quer na recuperação de relações diplomáticas entre Estados. Por outro lado, esta alteração de prioridades no futuro poderá levar os Estados e os cidadãos a terem menos preocupações com a prevenção e resposta a crises ambientais, tais como as alterações climáticas, a destruição dos recursos naturais, a perda de biodiversidade, a redução e a separação dos resíduos.
Todos concordamos que existe uma opinião generalizada no atual contexto e que se resume a expressões como esta… ”O planeta enquanto ecossistema global está a recuperar parcialmente a sua homeostasia”…. principalmente com a diminuição da geração, gases com efeito de estufa e dos desperdícios de uma forma geral.
Porém é do conhecimento público que as empresas estão a sofrer grandes impactos na sua economia, pelo que defendo que tem para estas uma enorme importância a criação de uma linha específica de atuação, nomeadamente na afetação de recursos, investimento e financiamento tendo em consideração a realidade e especificidade de cada uma. Este artigo apontará em 3 blocos uma análise muito específica para a realidade das empresa e organizações do setor do ambiente.
Decidi escrever sobre o tema pois considero importante, identificar e aproveitar as oportunidades, por um lado e por outro, identificar e mitigar as ameaças originadas por esta crise e pela alteração de prioridades que irá ser observada no seu rescaldo.
Nas ameaças serão expectáveis:
· Quebra no preço do petróleo, o que levará a condições mais favoráveis para a utilização de energias não renováveis. Será importante atuar de forma a criar condições favoráveis para que a transição energética possa ocorrer.
· Redução da capacidade das empresas para tratar dos resíduos produzidos. Existe uma grande oportunidade para simbioses industriais, implementar agendas de circularidade nas empresas e encontrar forma de valorizar os resíduos, considerando assim como recursos para outras empresas e/ou para processos internos, reduzindo os custos de encaminhamento e tratamento dos mesmos.
· Aumento do consumo de embalagens de uso único. O receio das embalagens reutilizáveis poderem constituir um vetor de transmissão do COVID-19 ou de outros patogénicos poderá levar a um aumento do consumo de embalagens de uso único por parte de cidadãos e empresas. Será importante trabalhar no sentido de quebrar mitos e integrar conhecimento científico na promoção do uso de embalagens reutilizáveis ou de encontrar alternativas sustentáveis e promover a informação ao consumidor, sobre os efeitos na saúde e no ambiente do uso quer de embalagens reutilizáveis, quer de embalagens de uso único.
· Publicação e partilha de desinformação em níveis elevados, que poderá comprometer a retoma económica, as relações políticas e o desenvolvimento de projetos ambientais. Para que isto não aconteça, será importante assegurar a transparência nas comunicações e o combate à disseminação de falsa informação. Ainda (ou adicionalmente), será necessário garantir que as evidências científicas são adequadamente divulgadas e a base de todas as decisões políticas.
· Diminuição dos fundos nacionais e europeus disponíveis para projetos relacionados com o ambiente e sustentabilidade. Será importante responder adequadamente à diminuição de fundos disponíveis, identificando os temas de investimento prioritários e garantindo que os projetos dentro destes temas são selecionados de forma transparente e adequadamente financiados.
· Baixa capacidade de adaptação da indústria, das empresas e das cidades a uma nova realidade. Para prevenir isto, será importante ter em conta que esta crise não tem só consequências económico-financeiras, mas também importantes consequências sociais e emocionais. Será, como tal, importante promover novas dinâmicas de relacionamento entre as empresas e os seus colaboradores e clientes.
Identifico as seguintes oportunidades:
· Mais preocupação dos cidadãos com autossuficiência, a qual pode ser aproveitada para promoção de uma melhor gestão dos recursos. Neste sentido poderão ser promovidas, por exemplo, a reutilização de materiais, a agricultura urbana e a compostagem caseira.
· Potenciar produção nacional. Decorrente desta crise os cidadãos deverão demonstrar uma maior abertura para consumo de produtos portugueses, como forma de potenciar a economia nacional. Será importante a criação de apoios para que os produtos nacionais consigam ser competitivos tanto para quem os produz como para quem os consome.
· Tornar as cadeias de fornecimento curtas e circulares. As restrições à mobilidade e logística de distribuição experimentadas na crise da COVID-19 revelaram a dependência que as importações presentemente têm na economia nacional. A fase de recuperação desta crise apresenta uma oportunidade única de dinamização do comércio local e da produção nacional para comércio interno.
· Criar hábitos de utilização eficiente de recursos. É expectável que a quebra do poder económico dos cidadãos leve a um decréscimo no consumo e a uma utilização mais eficiente de recursos, em particular de recursos alimentares. Existe uma oportunidade de trabalhar com os cidadãos estes temas de modo a que a utilização mais eficiente de recursos, prevenção do desperdício alimentar e da produção de resíduos desnecessários seja tornada num hábito mais duradouro.
· Criação de simbioses industriais. A quebra do poder económico das empresas leva a uma procura de maior eficiência nas operações e utilização de recursos. Esta situação representa uma oportunidade para a promoção de simbioses industriais, onde os subprodutos de uma indústria são utilizados como matéria prima da outra.
· Diminuição da necessidade de deslocações com a adoção de modelos e práticas de trabalho remotas. A crise do COVID-19 trouxe novas perspetivas relativas à dinâmica do trabalho, tais como a necessidade de os colaboradores estarem presentes fisicamente 100% do tempo na empresa, ou a necessidade de todas as reuniões serem presenciais. A maior adoção de modelos de teletrabalho e o aumento das reuniões por teleconferência poderão resultar numa redução significativa do número de viaturas que circulam diariamente nas estradas.
· Fomentar o turismo sustentável e local. A estratégia de dinamização do turismo deve visar a sustentabilidade, de modo a que se consiga cativar os turistas com maiores exigências pelo respeito pela natureza, pelas áreas naturais protegidas e sua biodiversidade.
· Incluir o tema da sustentabilidade como ponto fundamental na estratégia de resposta à crise do COVID-19. Temas da sustentabilidade deverão ser abordados de forma sistémica para conseguir uma resposta mais resiliente e robusta. Ainda, estes temas deverão ser trabalhados de forma multidisciplinar com o input de Economistas, Cientistas, profissionais de diferentes setores, entre outros.
· Integrar, de forma sustentável, a produção de bens e recursos nas cidades. Considerando que uma percentagem significativa da população mundial habita em cidades, torna-se premente aproximar a produção do local de consumo e reduzir as distâncias trabalho-casa. Poderão ser convertidas antigas zonas industriais e armazéns abandonados nos centros das cidades em polos industriais limpos, integrados nas cidades, com zonas de lazer e de vivência em comunidade. Esta dinâmica poderá contribuir para o aumento da resiliência das cidades e ciclos de vida dos produtos mais sustentáveis.
· Aumentar a eficiência dos espaços públicos. Muitos edifícios públicos, como escolas e ginásios apresentam uma baixa eficiência de utilização, estando encerrados por longos períodos. Espaços centrais e amplos poderiam aumentar o seu tempo útil ao serem disponibilizados à comunidade para criação de valor nos períodos em que não são necessários para a sua função primária. Ainda, poderia ser criado valor na utilização destes espaços através da dinamização de projetos/ iniciativas “pop up”, desenvolvidas pela comunidade.
· Estimular o desenvolvimento de novos modelos de negócio. Os novos hábitos de consumo e de redução de custos das empresas estimula o aparecimento de novos modelos de negócio, com base na partilha de bens, no digital, a servitização, existindo uma janela de oportunidades para as empresas, no aparecimento de novos negócios.
· Transição para uma economia mais circular. Numa altura em que as questões da sustentabilidade são uma preocupação cada vez maior das empresas, está a passar, conceitos como a economia circular começam que a tomar um lugar preponderante na sociedade e são apontados como uma solução de futuro para combater os padrões atuais de consumo e as alterações climáticas. Numa economia circular, o valor dos produtos e materiais é mantido durante o maior tempo possível, a produção de resíduos e a utilização de recursos reduzem-se ao mínimo e, quando os produtos atingem o final da sua vida útil, os recursos mantêm-se na economia para serem reutilizados e voltarem a gerar valor. Poderá ser uma grande oportunidade para iniciativas de repensar, reduzir, reutilizar, reparar, remanufaturar, reciclar e valorizar materiais e energia.
Para concretizar as oportunidades que identifiquei, faço o alinhamento de algumas medidas que poderão ser implementadas, de forma a promover um impacto significativo da “economia verde” na criação de riqueza e de bem-estar:
· Criar condições atrativas para que as empresas e os cidadãos continuem a apostar na transição energética. Poderão ser promovidos financiamentos ou benefícios para quem produz e/ou utiliza energia de fontes renováveis. Por exemplo, poderão ser efetuados investimentos em microgeração de energia e na criação de zonas de microredes comunitárias.
· Promover a comunicação e a sensibilização de forma eficiente. Campanhas de comunicação, direcionadas para diferentes públicos-alvo, com recurso a diferentes meios de comunicação e influenciadores, com o objetivo de promover práticas sustentáveis (reutilização, prevenção do desperdício alimentar, agricultura urbana) e dinamizar a economia local.
· Criar linhas de financiamento para apoiar iniciativas e projetos de comércio local. Será importante garantir a existência de apoios para que os produtos nacionais sejam competitivos, tanto para quem os produz como para quem os consome.
· Implementar e promover modelos económicos que funcionem a uma escala local e que tragam vantagens a quem realiza práticas sustentáveis. Estes modelos têm como objetivo promover práticas sustentáveis e dinamizar a economia local e geralmente são baseados na criação de uma “moeda local” que é aceite em diversos estabelecimentos de comércio local e espaços de lazer. Esta “moeda local” pode ser física ou, preferencialmente, virtual. A realização de práticas sustentáveis como a entrega de resíduos para reciclagem, práticas de compostagem ou contribuição ativa para prevenção de resíduos é recompensada com atribuição desta “moeda local”. Exemplos existentes em Portugal incluem o “lixo” (Campolide), “sustento” (Figueira de Castelo Rodrigo) e “mor” (Montemor-o-Novo).
· Criar mecanismos de suporte ao desenvolvimento de simbioses industriais. Mecanismos deverão incluir a criação e/ou dinamização de plataformas para fazer o “matching” das empresas, o financiamento de projetos de I&D e o fornecimento de serviços de consultoria às empresas.
· Promoção do teletrabalho e de reuniões por teleconferência. Deverão ser criadas as condições para que o teletrabalho e reuniões por teleconferências possam ser realizadas de forma adequada, combatendo-se o estigma de que não são eficientes. Ainda, poderão ser realizadas ou promovidas análises em diferentes empresas e serviços públicos com o objetivo de identificar que funções, reuniões ou eventos poderiam beneficiar da adoção de modelos remotos.
· Disponibilizar mais informação ao consumidor sobre as suas atitudes e escolhas. Por exemplo, podem ser introduzidos indicadores de análise do ciclo de vida em bens, produtos e serviços.
· Incentivar novas oportunidades e modelos de negócio. A sustentabilidade e a economia circular devem ser vistas como uma forma de poupança no uso de recursos e redução da produção de resíduos. A componente de digitalização deve ser valorizada.
· Criação de linhas específicas de apoio e financiamento a empresas. É importante ter em consideração a realidade e a especificidade de cada um dos setores.
Todos nós aprendemos que a dependência do que é global, levou à falta de bens para troca, pois a oferta suportada em dumping social e ambiental foi finalmente posta à prova na crise vivida.
As restrições de movimentos físicos, a perda de escala logística, a necessidade imediata sem encontrar satisfação, acompanhada pela ausência de resposta local, fez rapidamente pensar no autoabastecimento numa primeira fase e de seguida num modelo económico menos dependente da intercontinentalidade, pelo menos para bens básicos. Será este um dos vetores de pensamento estratégico para as próximas políticas e planos, interessa avaliar mais que nunca os 3 pilares da sustentabilidade, social, económico e ambiental.
Está aí a oportunidade….
Luís Realista