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Aprender um conjunto de competências a que se chama liderança
23/01/2025
Convidada para o AESE Women Leaders Forum, a 23 de janeiro de 2025, no Porto, Maria Azevedo integrou o painel de oradoras convidadas. Numa sessão subordinada ao tema “Transformar pela educação: vozes femininas no ensino”, coube-lhe a tarefa de argumentar as mais-valias trazidas pelo ensino público, no contexto português.
A fim de conhecer o seu posicionamento com mais detalhe, a AESE fez-lhe a entrevista que se segue.
Quem é Maria Azevedo?
MA: “Nascida numa família que me assegurou todas as oportunidades e sempre acreditou que seria capaz daquilo que me propusesse atingir, tive acesso a uma infância feliz e a uma educação que sempre me permitiu fazer escolhas. Escolhi estudar Bioquímica e tornei-me investigadora.
O contacto com realidades diferentes da minha trouxe-me uma visão do mundo bem mais abrangente e a certeza de que os desafios valiam muito a pena, por mais receio que eu pudesse ter ao começar. Esta vontade de conhecer o mundo de uma outra perspetiva levou-me à Índia.
No final do meu doutoramento, em 2011, juntei-me à Jesuits Mission Volunteering e passei 1 ano letivo a dar aulas de Biologia e Química numa escola em Manvi, uma pequena cidade no centro da Índia. A certeza de que o trabalho que ali fazíamos não mudava o futuro previsível daquelas crianças, apenas o adiava, no melhor dos cenários, deixou-me “zangada com o mundo”, como alguns familiares e amigos me diziam no regresso.
Foi este inconformismo que ficou que, regressada a Portugal e grávida do meu primeiro filho, comecei a procurar formas de devolver à sociedade o tanto que tinha recebido. Neste processo juntei-me ao Pedro Almeida e, ainda sem sabermos bem o que nos esperava, começámos a construir a Teach For Portugal*. Atualmente sou mãe de 3 filhos, empreendedora social e alguém que acredita que o mundo pode ser um lugar melhor para todos, se cada um de nós se sentir responsável pela construção desta nova realidade.”
O que a levou a lançar o Teach for Portugal, uma ferramenta aplicada ao ensino público?
MA: “Com a minha família aprendi que somos responsáveis pelo bem comum e, por vezes, isso significa escolher o que é melhor para todos e não para mim em particular. Esta forma de estar sempre me impulsionou a procurar o que podia eu fazer, como contribuir para que aqueles que me rodeiam tenham uma vida melhor. Durante vários anos fiz voluntariado em diferentes formas e, em 2011, fui viver para a Índia.
Grávida do meu primeiro filho, apesar de muito satisfeita com a minha profissão (na altura fazia investigação na área do cancro), sentia falta de perceber o resultado do meu trabalho de forma mais imediata, de ter a certeza que aquilo que eu fazia melhorava a vida de alguém.
Eu já conhecia a Teach For All (rede global de organizações nacionais a que pertence a Teach For Portugal) e admirava o rigor e profissionalismo com que atuavam no setor social. Com o Pedro Pinto de Almeida, no atual Diretor Geral, contactei-os para perceber se havia em Portugal alguém a trabalhar para lançar a organização em Portugal e se eu/nós podíamos contribuir no nosso tempo livre. Não havia e o desafio que nos lançaram foi – porque não vocês?
Sem saber o que nos esperava, abraçamos o desafio. Inicialmente aos fins de semana e nos tempos livres e, mais tarde, a tempo inteiro lançamo-nos naquela que é a nossa maior aventura profissional. Este caminho só foi / é possível porque acreditamos profundamente (tanto nós como todos aqueles que se foram juntando) que a educação é a principal ferramenta que pode colocar o elevador social a funcionar e garantir que todas as crianças têm a oportunidade de atingir o seu máximo potencial, independentemente do seu código postal.”
Apesar dos desafios, quais as principais oportunidades que o ensino público oferece / potencia?
MA: “O ensino público é o único que chega a todos. Por muito bom que seja o trabalho das instituições de ensino privado e mesmo que inclua na sua missão a possibilidade de chegar a alunos de famílias e contextos carenciados, através de bolsas ou outros programas, apenas o ensino público pode ser universal, chegar a todos.
Vejamos, Portugal é dos principais países da OCDE onde o contexto socioeconómico das crianças mais condiciona o seu sucesso escolar. Estas condicionantes começam ainda antes de a criança ter nascido.
No nosso país, a escolaridade das mães está diretamente correlacionada com o sucesso académico dos seus filhos. A probabilidade de uma criança, cuja mãe completou o 9º ano, ter sucesso escolar, ou seja, ter positiva a português e matemática no 9º ano e nunca ter reprovado, é de apenas 31%. Já se a mãe tiver uma licenciatura é de 71%. Ainda, e em particular a partir de 2021, com o Ensino à Distância, estimava-se que alunos desfavorecidos passaram a ter cerca de 2 anos de atraso nas aprendizagens, face aos colegas de famílias de maiores rendimentos. Notem que cerca de 38% dos 1.3M de alunos em Portugal do 1º ao 12º ano têm Apoio Social Escolar.
O que estes números nos dizem é que a probabilidade de sucesso escolar de uma criança é fortemente influenciada por um conjunto de fatores que lhe são alheios e que, ao longo do percurso escolar, esta associação, entre contexto socioeconómico e nível de escolarização das famílias com o sucesso escolar, se mantém ou fortalece. A menor probabilidade de sucesso (ou a reprovação), a escolha de percursos profissionalizantes com menos preparação ou probabilidade de entrada no ensino superior, o término dos estudos mais precocemente, entre outros implicam menor oportunidade de escolha à entrada no mercado de trabalho, piores condições de trabalho e remuneração e, consequentemente, piores condições de vida.
Esta realidade resulta no facto de, em Portugal, levar aproximadamente 5 gerações para que crianças nascidas em famílias com rendimentos mais baixos alcancem o rendimento médio. A média da OCDE é de 4 gerações. O que isto significa é que se eu nascer numa família de baixo rendimento, os meus filhos, netos, bisnetos e trinetos irão provavelmente viver com rendimentos abaixo da média. Apenas os meus tetranetos terão uma maior probabilidade de atingir um rendimento médio.
Na minha perspetiva, só um ensino público de qualidade, porque universal, pode mudar esta realidade no nosso país.”
Quem é a pessoa que a inspira, nos momentos de dilema?
MA: “É-me difícil escolher uma pessoa. Inspiram-me desde sempre as mulheres da minha família, a minha mãe, avós, tias, pela forma como sempre guiaram as suas escolhas pelo que era melhor para todos. Inspiram-me também as pessoas que no dia-a-dia, a partir do terreno e da dureza que o trabalho de proximidade implica, continuam a tentar e a procurar novas formas de atingir um resultado que teima em chegar. E inspiram-me pessoas que, mesmo em momentos de dificuldade, continuam a acreditar que é possível construir uma realidade mais justa para todos.
Esta certeza constante que permite olhar para os problemas e dificuldades que encontramos (que muitas vezes parecem irresolúveis) como apenas mais uma pedra no caminho, associada à capacidade de continuar a tentar, sem desistir, é algo que admiro muito e que tenho tido o privilégio de acompanhar em muitas pessoas. Os Mentores Teach For Portugal – as pessoas da nossa equipa que trabalham a tempo inteiro, em escolas públicas portuguesas que servem comunidades desfavorecidas – são muitas vezes fonte de inspiração para mim.”
O que gostava de ter aprendido como aluna e que teria feito toda a diferença na sua trajetória profissional, pessoal e familiar?
MA: “Que boa reflexão de fazer!
Entre listas e um exercício de priorização escolhi a liderança como a competência que gostava de ter começado a desenvolver enquanto aluna.
Na minha perspetiva, a escola tem um papel fundamental na preparação dos alunos para estes possam ter uma vida pessoal e profissional satisfatória e de realização, e uma vida em sociedade responsável e ativa.
Para muitos alunos, de forma particular aqueles com quem nós, na Teach For Portugal, trabalhamos, a escola é a única oportunidade de desenvolverem uma série de competências e ganharem um conjunto de conhecimentos que os colocam neste caminho. A título de exemplo, a escola pode dar aos alunos a capacidade de desenvolver relações saudáveis, de fazer escolhas conscientes e livres de preconceito, de se manterem fiéis a estas mesmas escolhas, mesmo perante dificuldades, quando estas são apenas parte do caminho.
Adicionalmente, e sendo a escola o primeiro contexto de socialização significativo para os alunos, tem também um papel essencial na forma como nos vemos parte da sociedade e acreditamos que temos um papel relevante a desenvolver. Promover oportunidades para os co-construirem o ambiente escolar, responsabilizá-los por esta comunidade de que são parte e, no processo, dar-lhes ferramentas para atuarem enquanto membros ativos na sociedade, pode mudar a forma como em adultos nos posicionamos.
No meu caso pessoal, tendo tido o privilégio de ser acompanhada e apoiada de forma muito próxima pela minha família e amigos, gostava muito que a escola me tivesse permitido desenvolver este sentido de responsabilização, a iniciativa, que me tivesse dado a conhecer as ferramentas que temos à nossa disposição para contribuir para a construção da sociedade com que sonhamos.
Se tivesse podido experimentar enquanto aluna, através de projetos ou na minha na comunidade escolar, algumas destas competências, ter-me ia sido mais fácil fazer a escolha profissional que me trouxe até à Teach For Portugal. Tê-lo-ia feito com menos receios, de forma mais preparada e confiante talvez e, por isso, mais rápido. A este conjunto de competências chamo liderança.”
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