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O luxo e o negócio nas empresas de vinho do Porto
19/02/2020, Lisboa
O Vinho e o Luxo foi o tema do evento, no Palácio de Queluz, organizado pelo Projeto CV3, uma iniciativa da AESE Business School em parceria com a UTAD, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e outros parceiros.
Na sua preparação houve necessidade de cruzar as fortes culturas das empresas de luxo com as estratégias de mudança que as desafiam.
Ao Prof. José Ramalho Fontes ocorreu-lhe a conhecida frase de Peter Drucker (1909-2005): “Culture eats strategy for breakfast”. “Considerado justamente como o pai da gestão não queria minimizar a relevância da estratégia, mas sublinhar que a cultura é uma força poderosa e estruturante em muitas empresas e organizações por, normalmente, estar ligada à sua origem e ao para quê da sua existência. Com a cabeça centrada nas poucas empresas portuguesas que produzem vinhos de luxo, encontra-se no google uma tradução brasileira dessa frase: “A cultura come qualquer estratégia logo no café da manhã”, e a sua sonoridade sugeriu-me esta sequência: Cultura ao café, estratégia ao almoço e negócios ao jantar!”
Segundo o Professor, “no mundo do Vinho do Porto várias empresas evidenciam a realidade desta frase em que algumas ficaram presas à cultura do passado e não tiveram continuidade autónoma por não terem conseguido construir uma estratégia coerente com os seus recursos e potencialidades, não capitalizaram os anos bons, não robusteceram os seus balanços.
Pelo contrário, várias outras, a partir de estratégias de médio e longo prazo e de uma visão coerente, puderam comprá-las (em boas condições, quase sempre!) e integraram-nas nas suas carteiras tirando partido de toda a tradição e história que estava subjacente na cultura de séculos. Entre estas estão a Gran Cruz, uma multinacional francesa e a SFE, Symington Family Estates uma multinacional de origem portuguesa. Apoiadas em diferentes e fortes culturas souberam aproveitar o seu passado, o que melhor tinham para, ao almoço, desenhar estratégias bem definidas e diferentes que trouxeram negócios, ao jantar.
A maior, Gran Cruz, procurando atrair uma geração mais nova fez gala em promover cocktails com Vinho do Porto e criou um novo espaço de promoção – “Espaço Gran Cruz” – na zona ribeirinha de Vila Nova de Gaia baseada em tecnologia digital e vídeos, não incluindo as tradicionais Caves, p
or um lado, e promovendo a sua marca com uma figura de uma elegante Mulher vestida de Negro, em diferentes cenários portugueses, por outro. Apoiando-se na sua forte rede de distribuição em França e noutros países, incluindo Portugal, vendeu 10 milhões de garrafas em mais de 50 países no mundo, 2018.
De algum modo em contraste com Drucker, Jorge Dias, o atual CEO, no âmbito das comemorações dos 130 anos da companhia, afirmou que “a tradição não é garantia de nada e pode ser até algo poeirento”. Em paralelo, contudo, adquiriu a C. da Silva Vinhos, S.A. uma casa de Vinho do Porto, com origem em 1862 e a marca DALVA, uma simplificação do nome para facilidade de leitura dos estrangeiros, DA SI LVA, para assegurar a imagem tradicional, enriquecer o portfolio com vinhos DOC Douro – produzidos na Quinta de Ventozelo recentemente adquirida – e acrescentar as clássicas caves à sua oferta de enoturismo, em V. N Gaia.
A Symington Family Estates, na sua 5ª geração, a partir da Warre’s (fundada em 1670, adquirida em 1905) e Dow’s (1768, 1960), integrou a W&JGraham’s (1820, 1970) e a Cockburn’s (1814, 2010) casas com nomes britânicos que não sustentaram o negócio tradicional. Com uma sólida visão de longo prazo, foi à custa de uma gestão de grande sobriedade, não distribuição de dividendos e acesso ao crédito, quando necessário, que pôde constituir este conjunto, ao mesmo tempo que investiu na aquisição de quintas, tornando-se o maior proprietário do Douro com 30 quintas num total de cerca de 2500 ha, com 1100 ha de vinhas.
Até meados dos anos 90 baseou o seu negócio num elevado volume de vendas e margens baixas, incluindo granel à distribuição moderna internacional e, desde os 80’s, em garrafa, à distribuição portuguesa, que pôde realizar esses investimentos, também com base no seu negócio em Inglaterra. Quando, por deliberação legislativa, em 1996 cessaram as vendas a granel, a Symington estava preparada para oferecer uma variedade de vinhos do Porto para todos os gostos com foco nas Categorias Especiais [Reserva, Tawny, Vintage, LBVs] que, foram crescendo até representar 60 % das vendas totais de cerca de 80 milhões €, com uma subida de €10 milhões, desde 2014.
Por exemplo, marcando a data da fundação, a SFE produziu um vinho premium de 1882 a partir de um dos três barris restantes, colocando no mercado um total de 656 garrafas numeradas (€ 8.000 cada) num estojo que incluía decantadores de cristal feitos especialmente à mão pela Atlantis. Usaram a marca NE OUBLIE, lema da família Graham, proprietária da empresa em que o jovem A J Symington começou a trabalhar em Portugal, nesse ano.
A cultura centenária, trabalhada e bem fermentada, uma visão de longo prazo fortalecida com estratégias coerentes, traduziram-se em negócios e, como acontece em setores empresariais deste tipo, em concentrações e aquisições nas empresas com balanços mais robustos.”