15/10/2020
Um orçamento elaborado num contexto de crise, que torna as contas difíceis e que se baseia em perspetivas que são muito imprevisíveis, foi o que esteve em debate no Seminário “O Orçamento do Estado 2021 – Enquadramento Político e Económico”. Esta organização do Forum para a Competitividade, que aconteceu no dia 15 de outubro na AESE Business School, em Lisboa, contou com a ex Ministra de Estado e das Finanças Maria Luís Albuquerque e os dois ex Secretários de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio e Fernando Rocha Andrade.
No arranque dos trabalhos, Pedro Ferraz da Costa, Presidente do Forum para a Competitividade, expôs a preocupação com que vê a conjuntura em que este orçamento se apresenta e a ausência de medidas que promovam a recuperação económica. “Cada mês que passa, mais se acentua a perspetiva de uma maior queda do produto [PIB]. O FMI apresentou esta semana uma previsão de 10 % de queda de Portugal e de -12,8 % para Espanha. E o que é significativo é que cada previsão é pior do que a anterior. Nesta conjuntura, o exercício orçamental é particularmente difícil”, referiu. “Aguarda-se, do Ministério das Finanças, a definição da política financeira que suporte a recuperação”, disse, sublinhando ainda a necessidade de uma utilização dos recursos mais eficiente: “Um melhor planeamento e controlo das políticas orçamentais permitiria uma melhor utilização dos recursos, fazendo o mesmo com menos receitas e libertando os cidadãos e as empresas duma carga fiscal que cresce continuamente e já atingiu 34,4% do PIB”. O Presidente do Forum para a Competitividade alertou para a necessidade de se construir, em colaboração com outras entidades, uma estrutura independente que avalie a utilização dos elevados recursos que vão ser postos à disposição do país. Um orçamento para as famílias que não pagam IRS Referindo-se ao eleitorado português, o advogado José Miguel Júdice afirmou, na sua intervenção sobre o Orçamento do Estado: “De um lado estão os que ganham mais com as políticas redistributivas – os que não pagam IRS, que são 46% das famílias portuguesas. Este grupo é representado pelo PS e pelos partidos radicais de esquerda. Este orçamento é o orçamento para se ver quem ganha o apoio destes mais de 50 %. O outro grupo – as famílias que ganham entre 12 a 50 mil euros, que é a classe média – não é representado por ninguém neste momento. Os partidos de direita deviam representar esses grupos sociais, mas não têm coragem de o fazer. As classes médias, hoje em dia, não se reveem em ninguém e podem acabar por ser agarradas por quem as conseguir agarrar, que muitas vezes são opções de direita muito radicais”.
Num debate moderado por Jaime Esteves, Vice-Presidente do Forum para a Competitividade, Paulo Núncio, Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais do XIX Governo Constitucional, constatou os tempos excecionais em que este orçamento é apresentado e reconheceu a dificuldade de trabalhar numa situação de tão grande imprevisibilidade. Para Paulo Núncio, isto não significa, no entanto, que “o défice e a dívida não tenham que ser tidos em conta, pois o pacto de estabilidade voltará a estar em vigor, muito provavelmente já em 2022”, sublinhou. Com a dívida pública portuguesa a aproximar-se perigosamente dos 140% do PIB em 2021, o ex Secretário de Estado considerou que “este é um orçamento muito minimalista, com poucas normas de natureza fiscal, o que é positivo por um lado porque mantém a estabilidade do ponto de vista fiscal. É negativo, por outro, porque não contém propostas para uma fiscalidade mais competitiva”. O ex Secretário de Estado referiu ainda que não encontra “neste orçamento medidas para as empresas nem condições para a criação de riqueza, mas sim medidas de redistribuição da riqueza. Era importante que tivéssemos medidas que permitissem às empresas produzir mais, investir mais e exportar mais”.
Referindo às escolhas na despesa, como as creches gratuitas, a redução das propinas ou o aumento das pensões, Paulo Núncio alertou que muita desta despesa pública é estrutural e vai continuar a existir depois da crise provocada pela Covid, o que agrava o nível da despesa pública que passou de 81 mil milhões euros em 2014 para mais de 100 mil milhões previstos para 2021. Um agravamento de 23% em apenas 6 anos.
Maria Luís Albuquerque, Ministra de Estado e das Finanças do XIX Governo Constitucional também refletiu sobre as escolhas e a tomada de decisões do ponto de vista orçamental: “Quando se toma uma decisão de despesa, isso tem sempre a ver com impostos. A carga fiscal que temos atualmente advém do dinheiro que gastámos a mais ao longo dos anos. A mais porquê? Porque foi gasto sem contribuir para aumentar a nossa competitividade”. Defendeu que “temos que criar a consciência nos cidadãos que, cada vez que se faz uma escolha de despesa, isso vai ter influência nos impostos que se vão cobrar, nesse momento ou no futuro”, para que as pessoas possam fazer uma escolha informada e consciente. Em relação à questão laboral, a ex Ministra referiu que “temos que estimular a contratação e não dificultar o despedimento”.
Fernando Rocha Andrade, Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais do XXI Governo Constitucional, concordou que devia haver uma prática de explicar às pessoas quanto cada medida custa, não apenas no imediato, mas também a longo prazo para os cidadãos compreenderem o custo de cada medida e poderem optar de forma consciente. O ex Secretário de Estado referiu que “neste orçamento há um conjunto de medidas de apoio ao rendimento e há medidas dirigidas ao apoio social. Diz-se que não há apoio às empresas, mas quando se apoia os rendimentos, apoiam-se as empresas por via do consumo”, defendeu. Quanto ao «dinheiro que vem da chamada “bazuca” da Europa», Fernando Rocha Andrade disse que estas verbas ainda não estão no orçamento, mas acredita que irão trazer mais apoios às empresas.
No encerramento dos trabalhos deste Seminário, José Ramalho Fontes, Presidente da AESE Business School referiu que “o imperativo do crescimento das empresas é uma necessidade básica e que a competitividade do país é um assunto que é preciso mesmo encarar de forma imperiosa”.
Deixou ainda a sugestão de aplicar o IVA do e-voucher à formação profissional, nomeadamente à formação em gestão, tendo em conta que a formação é sujeita a IVA e isso prejudica a área.
Concluiu, afirmando que “este orçamento precisaria de passar aos jovens um maior incentivo no sentido das gerações aprenderem a poupar e a tomar as decisões mais adequadas do ponto de vista da gestão”.